Harakiri tucano

É impossível reconhecer no PSDB de hoje o mesmo partido que promoveu a estabilidade da economia e a responsabilidade fiscal, fez uma revolução gerenciada na educação, saneou o sistema financeiro e avançou em áreas sociais estratégicas, como a saúde. Um partido de quadros como José Serra, Paulo Renato Souza, Franco Montoro, Alberto Goldman, Arnaldo Madeira entre tantos outros em São Paulo e no Brasil.

Em vez de ser o pólo aglutinador de um amplo campo democrático – como foi nos bons tempos sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso ou Mario Covas -, nacionalmente é hoje o principal fator da diáspora da Terceira Via. Contribui para a cristalização da atual polarização ao deixar o eleitorado do seu campo de centro sem alternativa competitiva na disputa presidencial.

O imbróglio tucano pode acabar na Justiça Eleitoral como ameaça João Doria, que parece insensível às evidências adversas das circunstâncias de sua pré-candidatura e não consegue ouvir o que dizem seus companheiros de partido.

Para por fim a essa situação, basta que a direção partidária e suas bancadas na Câmara e do Senado optem por uma candidatura única do PMDB, PSDB e Cidadania.

Nesse caso a salvação tem RG e CPF: Simone Tebet.

Uma chapa composta com um tucano de vice – Tasso Jereissati, Eduardo Leite ou o próprio Doria – poderia interromper o movimento do eleitorado que, por falta de opção, vem sendo atraído por Lula ou Jair Bolsonaro. Esta seria a última oportunidade de animar a eleição, qualificando o debate e a disputa presidencial.

Sim, a aspiração de Doria está respaldada pelas prévias tucanas. Mas, mesmo tendo realizado um bom governo, ele possui uma rejeição oceânica. Algo a ser explicado mais pela antropologia do que pela ciência política. Talvez seja vítima de uma certa antipatia nacional com políticos de São Paulo. Mas como explicar sua rejeição entre os próprios paulistas, que ultrapassou os 60% do eleitorado do Estado?

Chega um momento em que a legitimidade de sua aspiração se transforma em teimosia. E ela não pode estar acima dos interesses das forças de centro ou do seu próprio partido. A grandeza de um político está também em saber abrir mão de suas pretensões em prol de um bem maior. Ulysses Guimarães e Franco Montoro são o melhor exemplo. Entenderam que o nome viável para derrotar o regime militar no colégio eleitoral era o de Tancredo Neves. Mas eram de uma estipe de políticos raros de se encontrar nos tempos atuais.

A situação do PSDB é tão surreal que Aécio Neves saiu das sombras para ser árduo defensor da manutenção da candidatura de Doria. Justamente ele que, antes, durante e depois torpedeou as prévias, tentando fazer do gaúcho Eduardo Leite o pré-candidato da sigla. Ora, ele mesmo pôs em xeque a credibilidade da consulta interna que sacramentou o nome de Doria ao repetir, em entrevista do final de semana, que houve compra de votos.

Absolutamente natural partidos estabelecerem estratégias eleitorais de acordo com suas forças, definindo suas prioridades. No caso dos tucanos, uma repetição de um desempenho similar, ou pior, ao vexame na disputa presidencial de 2018 pode ser a pá de cal que falta.

Em vez de ter uma candidatura a presidente kamikaze, seria mais recomendável abraçar bandeiras, projetos para o Brasil, e ter uma estratégia de acúmulo de energia e de defesa de suas fortalezas: as bancadas parlamentares e governos estaduais onde os tucanos estão no poder.

Isso é da política: quando não há viabilidade em uma candidatura própria, nada mais natural que se foque na manutenção de suas casamatas. No caso dos tucanos, foco na disputa paulista com a reeleição do governador Rodrigo Garcia.

O PSDB governa o estado há 28 anos e tem sua hegemonia ameaçada tanto pela candidatura do petista Fernando Haddad, como pela do ex-ministro de Jair Bolsonaro, Tarcísio Freitas. Esse é um dado novo, desta vez o eleitorado conservador não aderiu ao PSDB, mas é atraído por uma candidatura mais à direita.

O haraquiri tucano pode assumir a forma de uma candidatura presidencial sustentada por uma decisão judicial, sem o apoio das bancadas e das instâncias partidárias – rejeitada pelo eleitor. Aliás, seria surreal a Justiça Eleitoral obrigar um partido a ter candidato próprio. Mas como no Brasil tudo é possível…

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/5/2022. 

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