– “Gente talvez eu atrase por que estamos indo levar o Rony no hospital”, Marina nos avisou via Messenger, às 10h23, quando faltavam uma hora e sete minutos para o horário marcado da nossa conversa diária, na segunda, 13/9.
“Gente talvez eu atrase por que estamos indo levar o Rony no hospital”, escreveu Marina, oito anos e meio, alfabetizada em plena pandemia. Com a minha experiência de mais de 35 anos em boas redações acertando e melhorando o texto dos outros, só teria duas coisas a fazer na frase dela – meter uma vírgula depois do vocativo e acertar o porque, uma coisas mais traiçoeiras da língua portuguesa. (OK, a melhor regência seria “levar ao”, mas na linguagem coloquial 99% das pessoas não falam assim.)
Mas não é da correção do texto da Marina que quero falar. Queria registrar essa experiência dela, a primeira vez em que foi deixar alguém muito próximo e querido no hospital.
Hum… Desde que Marina nasceu, a mãe, o pai, o avô e a avó maternos, a avó paterna, a Bisa, todos já estiveram em hospitais, é bem verdade. Mas esta foi a primeira vez em que ela própria foi deixar um ente querido no hospital.
Mandou para nós esta foto dizendo: “Indo pro hospital”.
Um tempo depois, mandou esta outra, com a legenda: “Voltando pra casa”.
A Vovó perguntou, ainda via Messenger, antes de Marina chegar de volta à casa dela: “O Rony vai ficar muito tempo lá?”
E ela respondeu que sim, o “sim” seguido por sete emojis daquele da carinha chorando rios.
Estava tristinha, de fato abalada, quando, logo depois de chegar em casa, nos ligou do iPad para a brincadeira do dia. Falamos um pouco do Rony, da ida para o hospital, de como era o hospital, como tinha sido lá. Rapidamente Marina quis começar a brincadeira – e aí é que houve uma coisa fantástica, que deixou avó e avô babando, queixo caído. Marina imediatamente integrou a ida do Rony para o hospital na brincadeira – a fantasia, o faz-de-conta, que, como nas brincadeiras dos últimos meses todos, tem a ver com o Mundo Harry Potter.
Expôs para nós como ia ser. Ela, Hermione, para se distrair um pouco durante o tempo de internação do Rony, iria fazer uma viagem à Bulgária. Ligaria para o Vitor Krum, combinaria com ele. (Já havia estado lá, na brincadeira de dias antes.)
O Krum disse que claro, tudo bem, estava pronto para receber a visita dela – dela e da Gina, que Hermione fazia questão de levar junto.
Gina é sempre a Vovó; eu sou o Harry. O Rony é o Rony, que naquele dia não participava da brincadeira porque estava no hospital.
Combinamos que eu estaria sempre em contato com o hospital e repassaria as notícias para elas lá na Bulgária.
No dia seguinte, a terça-feira, Marina foi logo anunciando: – “Vamos continuar a brincadeira de ontem”.
Continuavam ela e Gina na Bulgária, recebidas na imensa casa do Vitor Krum. Fui escalado para, além de ser como sempre o Harry, em contato com elas por telefone, também fazer o próprio Krum – e até que desempenhei bem.
***
Isso aí foi, repito, na segunda e na terça da semana passada. O Rony ainda não teve alta, e Marina, nos conta sua mãe, tem sentido uma tremenda falta dele.
Rony é o segundo mais querido de todos os amigos de Marina nestes oito anos e meio dela. Segundo em ordem cronológica, entre os dois mais queridos de todos, eu diria. (Estou falando dos de pelúcia, é claro.)
O primeiro é o Elmo, que está na vida de Marina desde que ela nasceu, e nunca se afastou dela. Acho que o Elmo acompanhou a moça em todas as viagens que ela já fez na vida – e, olha, periga Marina ter viajado mais que o avô dela.
Não há, creio, disputas, crises de ciúme entre o Elmo e o Rony. Ambos são de boa paz. E o tipo de relação é diferente. O Elmo é o amigo, o irmão, camarada, cúmplice, pra citar o Georges Moustaki, que Marina ainda não conhece. Já com o Rony a relação sempre teve um quê diferente da simples amizade. Quando o Rony deixou de ser Érolti – seu nome original, dado por ela mesma – para ser Soluço, ela estava vivendo a era Como Treinar Seu Dragão, e encarnava Astrid, a namorada do Soluço. Depois, quando veio a era Winx, ela era Flora e ele, o Hélia. Agora, na era Harry Potter, ela é Hermione e ele, o Rony.
Ahnnn… Sò não pode falar namorado, namorada, namoro. Para ela, não se fala a palavra – usa-se blá-blá-blá. Fulano é blá-blá-blá de fulana, os dois estão blá-blázando.
Por que é assim? O que significa essa recusa dela de não usar a palavra namoro, embora o namoro esteja sempre presente nas brincadeiras? Como se explicaria isso, segundo a linha freudiana, ou a linha lacaniana? Bem quanto a isso, eu usaria as famous last words de Rhett Buttler ao final das quase 4 horas de … E O Vento Levou: – “Frankly, my dear, I don’t give a damm!”
Bem, mas aí eu tergiversei.
***
O importante é registrar que a internação do Rony não foi por uma emergência. De forma alguma. Foi tudo cuidadosamente planejado.
Bem grandalhão, gorducho, o Rony foi, ao longo dos anos, perdendo peso, perdendo massa corporal, ficando fraquinho, molenguinha. Sabe-se lá o motivo. O enchimento dele foi quebrando, virando pó, algo assim. O fato é que a família chegou à conclusão de que ele deveria se submeter a uma cirurgia de empoderamento corporal.
Foi internado para exames, para a preparação para a cirurgia.
O problema é que há uma grande fila de espera para horário no centro cirúrgico do hospital. Ainda não temos a data de alta dele.
Mas o que é garantido é que Marina receberá o Rony com uma felicidade absolutamente avassaladora. O perigo é ela, que é bem humorada e sorridente a imensa maior parte do tempo, chegue perto de sufocar o Rony, tantos vão ser os abraços e carinhos e beijinhos sem ter fim.
22 e 23/9/2021
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