Quando os Repórteres Usavam Revólveres (5)

Uma dúvida acometeu Rago no exato instante em que dava mais um gole, pequeno gole, de espera, em seu copo de conhaque. Castilho o passara para trás?

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O bar que escolhera para negociar com o delegado, por telefone, era um bom lugar para se esconder de jornalistas abelhudos. Ficava entre salas comerciais, no quinto andar de um prédio da Rua 24 de Maio. A no mínimo um quilômetro da sala de imprensa.

O número da placa do Mercedes Benz não tinha a menor importância para um cidadão comum. Só a polícia podia levantar o nome do proprietário, nos arquivos do Departamento de Trânsito. Ora, mas repórteres têm sua fontes, alguém poderia supor. Têm, mas não em repartições públicas. De modo que Rago chegou ao bar, pediu a bebida, tomou um gole, e olhou para o telefone em cima do balcão.

– Posso?

– À vontade – respondeu o barman.

Falou com Castilho. Quando disse que tinha o número da placa do Mercedes Benz, este perdeu a paciência.

– Você nasceu de rabo para a lua!

Entenderam-se rapidamente. O repórter passaria o número da placa (o que, por lei, era obrigado a fazer), e o delegado retornaria para revelar dados do resultado da pesquisa. Desligado o telefone, restou esperar.

Um bar quase vazio. Um copo que não poderia ser virado de uma vez, muito menos repetido. A sobriedade era necessária para o que Rago esperava ter pela frente. O barman percebeu a ansiedade do cliente. Para distraí-lo, pôs-se a falar.

zzvaldirsanchesNo bar havia um cliente fiel, que nos fins de tarde aparecia para a happy hour. Pedia bom scotch, bebia bem, gastava melhor ainda. Na hora de sair, chamava a última dose. Pagava e ia embora levando o copo com a bebida. Ia-se um copo por dia, não incluído na conta. O proprietário exasperava-se. Certa noite, reclamou com o freguês. Deixasse o copo no bar.

Sem perceber, Rago estava se divertindo com a história. Parou de vigiar o telefone.

O freguês não perde o humor. Apenas pergunta: “Quando vale este bar?”. O outro apresenta uma cifra. E ele: “Quer vender?”. Comprou, e passou a sair tranquilamente com seu copo na mão.

– Esta história é verdadeira – acrescentou o barman, ao mesmo tempo em que a estridente campainha do telefone soava. Rago apanhou o telefone. Perguntavam por um certo senhor Aníbal, que não havia chegado.

Uma hora depois, o repórter do Post estava falando com o delegado de Homicídios.

– Alô? Castilho? Desembuche.

– Laura Paes Ribeiro, trinta e dois anos, dizia que era artista plástica mas ninguém jamais viu um quadro seu. Tinha fortuna de família, o que lhe permitia manter o carro com o motorista.

– Por que não tem registro no Serviço de Identificação?

– Porque até meio ano atrás morava no Rio, onde aliás ela e a irmã nasceram.

– Irmã?

– Sim, Deise, casada com um figurão do mundo dos negócios… importação e exportação. Um Dr. Washington… A falecida morava na casa deles, no Jardim Europa.

– O que mais?

– Mais nada.

Rago esperava por isso. Castilho cumprira sua promessa. Mas não iria além do que dissera. Sabia que o repórter não queimaria a informação, publicando o pouco que tinha. O que o interessava era achar e entrevistar Deise, a irmã. Por isso, sonegara o endereço.

– Qual é o próximo lance, delegado?

– Você está querendo saber demais.

A última pergunta fora apenas retórica, dessas que os entrevistados esperam que os repórteres façam, e eles fazem, sabendo que não terão resposta. Rago nem ao menos tentara articular a questão essencial, “qual é o endereço da casa, no Jardim Europa”?, por uma boa razão. Não queria que Castilho suspeitasse de seus planos para a noite que avançava.

A caminho do Jardim Europa, ponderava. Um delegado de polícia não iria incomodar um rico empresário, em sua casa, numa hora dessas. O caso se arrastava havia dias. Que importância teria, para a polícia, esperar até a manhã seguinte? “A costa está livre”, pensou.

Com vinte minutos de viagem, entravam no Jardim Europa.

– Desço aqui – disse para o motorista do táxi.

As ruas arborizadas e sinuosas do bairro, orladas por mansões ajardinadas, sempre lhe causavam admiração. Em muitos trechos, a copa das árvores atravessava a iluminação dos postes, o que deixava essas vias fascinantemente escuras. Era agradável caminhar por esse cenário, como se fosse o personagem de um romance de mistério. Começou a chuviscar forte; fechou o paletó sobre o peito. O primeiro guarda noturno que interrogou não se lembrava de uma loira que passava em horas certas num Mercedes Benz escuro. Tão pouco conhecia o Dr. Washington.

– Tente o José, aí na esquina com a Rua Honduras – sugeriu o homem. – Ele é um dos mais antigos por aqui.

José, depois Raimundo, depois Maninho… Estava difícil. Se tivesse vindo com jipe, teria maior mobilidade. O chuvisco apertava. Foi em frente, em busca de guaritas de vigilantes. Passou por um casarão com terraço nas janelas. No gramado, embaixo, havia um homem com um gato no colo, gozado… Foi em frente, parou, voltou sobre seus passos e disse ao homem:

– Algum problema com o gato? Posso ajudá-lo, sou veterinário.

O outro abriu um sorriso.

– Está tudo bem, obrigado. Shania (tratava-se, então, de uma gata) tem o hábito de desaparecer nas piores horas. Hoje se enfiou embaixo das trepadeiras…

– Também tenho um gato, mas é bem comportado. Moramos em apartamento. Esse chuvisco poderia parar, não acha? De resto, a temperatura está agradável, boa para caminhar, às vezes levo meu gato para um passeio, você sabe qual é a casa do Dr. Washington, onde tem aquele Mercedes Benz escuro?

O homem do gato era o motorista da casa onde estava.

– Sei, sim. Conheço o Feliciano, motorista da dona Laura. O Mercedes azul marinho… É a quarta casa do próximo quarteirão, na calçada deste lado. Rosada, portões brancos.

Agradeceu, deu dois passos e olhou para o relógio. Onze horas.

Tarde… Mas o detalhe não o impediu de caminhar pela calçada, atravessar a rua, prosseguir até a casa rosada e, ao alcançar o grande portão, apertar a campainha. Passam-se oito minutos. Surge, então, pela lateral da casa, uma mulher com um guarda-chuva aberto e um roupão bem fechado. De maneira alguma estava feliz em atender à porta em uma hora daquelas, com um tempo daqueles.

– A patroa está dormindo, o que o senhor quer?

O vulto do outro lado do portão, com o paletó fechado, meio oculto pela copa de uma árvore, onde se abrigava do chuvisco, retirou do bolso uma carteirinha preta, com um símbolo dourado na capa. Num gesto rápido, abriu-a e a exibiu para a atônita mulher.

– Trate de acordá-la. É sobre a morte de madame Laura.

A interlocutora vacilou por um momento.

– Mas é muito tarde.

Rago lançou sua isca:

– Diga-lhe que novos fatos, muito importantes, surgiram.

Quando a mulher se afastou, recolocou no bolso a carteira do seu clube de filatelia, casualmente parecida com a identidade funcional dos policiais. Em pouco tempo, luzes foram acesas na sala, mostrando melhor a grande porta que abria para o jardim. A criada reapareceu, girou a chave na fechadura do portão, e pediu para “o doutor” entrar. À porta da sala estava uma mulher tão parecida com a morta que Rago sentiu um arrepio. Esta, no entanto, era um pouco mais velha e tinha cabelos castanhos, naturais. Estendeu-lhe a mão.

– Boa noite, delegado. Sou Deise, irmã de Laura. Já esperava sua visita. Tenha a bondade… – e abriu caminho para o visitante.

Só dentro da casa, bem instalado em um sofá Luiz XV – entrou, sentou, conquistou território -, o visitante desfez “o involuntário equívoco”.

– Sinto decepcioná-la, madame. Sou um jornalista. Lauro Rago, do SP Post.

Deise não se abalou.

– Eu esperava a visita dos senhores, também.

E antes que o outro abrisse a boca:

– Quais são os importantes fatos que o senhor traz?

Rago falou sobre a natureza do veneno que matara Laura, o que deixou a anfitriã chocada, mas muito interessada. E entrou em pequenos detalhes do caso, já esmiuçados pelos jornais. Disso, passou com descarada naturalidade para perguntas sobre a morta.

– Minha irmã casou e não teve filhos – disse Deise, aceitando o jogo. – No ano passado separou-se de seu terceiro marido, um homem rico, que a deixou muito bem de vida. Veio morar aqui.

– Dr. Washington não se importou…

– Não. Ela conversava bem, era agradável, entendia de arte. De qualquer forma, ele viaja muito, não pára em casa. Se ela desse qualquer mal passo, não ficaria sabendo.

– E a senhora, não percebeu nada incomum no comportamento de dona Laura?

– Não, ultimamente ela saía em algumas tardes, para visitar galerias de arte. Mas encarei como uma atitude normal, afinal ela tinha fortes pendores artísticos.

Deise falava com naturalidade. Cabia-lhe muito bem o figurino de mulher fina, acostumada a manter o bom nível da conversa, fosse quem fosse o interlocutor. Passava a imagem de pessoa de apresentação correta, de uma elegância sem excessos, natural e despretensiosa. Rago, no entanto, notara que ela retocara o batom e o rímel, antes de recebê-lo. De sua parte, ele estava mais educado do que nunca.

– O Dr. Washington, presumo, está viajando. Se não for indiscrição, posso perguntar aonde se encontra?

– Sim, não vejo problemas em lhe dizer (tudo era natural em Deise). Está em Miami… a serviço, naturalmente.

– Importação e exportação.

– Exatamente, o senhor parece adivinhar as coisas…

Conversa muito cordial, mas Rago resolveu ir ao ponto.

– Então sua irmã apreciava arte. Ela entendia mesmo disso, produzia alguma coisa? O que realmente fazia fora de casa, em dias certos da semana – às terças e quintas?

Deise manteve a serenidade.

– Vou lhe mostrar.

Da sala, passaram para uma saleta onde havia alguns objetos de decoração que oscilavam entre o artesanato e a arte.

– Aqueles sobre a mesa da direita são os delas. Estes sobre a da esquerda são meus, que também gosto e faço uma coisa ou outra.

Rago baixou o olhar sobre a mesa da esquerda e dissimulou um sobressalto. Em cima de grosso livro, havia um punhal com cabo exatamente igual àquele que o assassino colara no peito de Laura. Sem dúvida, seria um punhal idêntico, se aquele tivesse a lâmina. Instintivamente, olhou para algo no teto que o atraíra, ao entrar na saleta. Outra surpresa. Uma peça vazada, com flores artificiais, vinha pendurada com tiras de couro. Tiras idênticas à que havia apertado o pescoço da morta. Voltou-se para Deise, mas não havia o menor traço de ansiedade no rosto dela.

Retornaram à sala de estar. Rago optou por deixar para o fim da entrevista o que vira na saleta. Manteve o tom firme.

– Como se explica que Laura tenha morrido em um apartamento de um prédio de prostituição?

Pela primeira vez, Deise reagiu mal à pergunta.

– Por favor, não seja impetuoso com essas questões. Faz muito pouco que aconteceu, ainda estou chocada.

– Sinto muito, dona Deise. Mas as questões têm que ser abordadas. Não estou aqui para fazer uma reportagem sobre arte.

Subitamente, ela sorri. E, em tom de confidência:

– Preciso descontrair. O senhor bebe alguma coisa? Que tal um uísque?

– Só se for para acompanhar a senhora.

– Está bem, mas eu dispenso o uísque. Gosto de menta.

Caminhou até o carrinho de bebidas, deixado a um canto, ao lado de um pilar de mármore ornamental, com uma ânfora em cima.

– Gelo?

– Água, por favor.

Preparou o uísque, retirado de um frasco de cristal. Depois, apanhou uma garrafa de corpo arredondado e gargalo longo, e serviu-se de uma dose. O Pippermint coloriu o copo de verde. Com um copo em cada mão, trouxe as bebidas para uma mesa de centro.

Surgira um clima propício para se falar da vida, de amenidades. No fundo, Rago estava se divertindo com a manobra. Deu um pequeno gole na bebida, e se preparava para lançar um torpedo quando o telefone tocou.

Deise levantou-se, e foi até o aparelho. Atendeu.

– Oh, é você, meu bem? Sim, acordada. Te espero.

Dr. Washington estava chegando. A anfitriã era agora uma pessoa angustiada, à beira do pânico.

– Por favor, por favor, senhor Rago. Vá-se embora. Seria um desastre se meu marido me visse falando com o senhor.

Rago raspou-se.

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Na quinta tentativa, conseguiu falar com a Delegacia de Homicídios. Passava pouco das nove da manhã. Dormira mal, martelando os fatos da noite anterior; tentava encontrar uma lógica entre eles. Laura é morta por alguém que simula uma punhalada no coração, e o enforcamento por um cordão. Um punhal e cordões iguais estão em uma sala da casa de Deise. Na cena do crime havia um copo com o que poderia ser veneno, mas era menta. A bebida predileta de Deise. Qual era a lógica destes fatos? Como ninguém, na mansão, se preocupou em tirar da vista esses objetos, diante da possibilidade de que a polícia (ou um repórter esperto) os visse? Teriam imaginado que nunca chegariam ao endereço do Jardim Europa?

– O dr. Castilho não pode te atender agora – disse um investigador.

– Diz a ele que estive com Deise ontem à noite.

Passam-se dez minutos. A voz de Castilho surge, mal-humorada.

– Você está invadindo…

– Bem, estou ligando para contar como foi. Você deve estar de saída, devia me levar junto, porque já amaciei o terreno.

– Nem pensar.

Rago resolveu endurecer.

– Há duas coisas importantes, fundamentais, que vi, e não sei se você verá. Se precisar de mim, vou estar na sala de imprensa, você sabe meu número.

Desligou. E se arrependeu de ter escolhido a sala de imprensa. Os rapazes iam ficar antenados, por vê-lo chegar tão cedo. Deveria ter ido para a redação, mas era tarde para mudar. Castilho e seus homens estavam saindo para o Jardim Europa.

Andrade Júnior, repórter da Rádio da Cidade, que cobria o turno da manhã, estava na porta da sala; viu o colega do Post entrar no prédio. Irradiou para os outros:

– Atenção, Lauro Rago ingressando na casa…

Lauro Rago entra, cumprimenta, senta-se à sua mesa. Abre um jornal, afetando naturalidade. Os outros o olham com suspeita. Ninguém chega ao lugar onde trabalha com cinco horas de antecedência. Corre uma hora. O telefone toca. É Castilho. Não viu nada demais na casa do Jardim Europa. Deise estava enrolando.

– Dá um pulo aqui.

Saída dissimulada para não alertar os rapazes. Táxi. Campainha. Um tira vai até o portão e gira a chave.

Deise veste um robe de seda.

– Oh, senhor Rago. Que bom vê-lo. Estes homens não estão sendo gentis.

Com muito tato, Rago pergunta se já levou o delegado à saleta com as peças de arte.

– Levou – quem responde é Castilho. – Não vimos nada demais.

O repórter entra na sala. O punhal e a floreira suspensa com cordões de couro não estão mais lá.

– Onde estão? – volta-se para Deise.

– Não sei do que o senhor está falando – ela responde, gélida.

Castilho não entende nada.

– Madame… – começa Rago, mantendo o tom ameno. – Serei obrigado a depor no inquérito. Afirmarei o seguinte: aqui, nesta sala, em cima desse livro volumoso, havia um punhal com o cabo exatamente igual àquele que estava colado no corpo de Laura. E cordões de couro, como o que apertava o pescoço, seguravam uma peça pendente do teto.

Voltando-se para Castilho:

– Eu vi o punhal e os cordões, ontem.

Deise tentava manter a dignidade, mas seus dedos se entrelaçavam, nervosos. O delegado perdeu a paciência.

– Olhe aqui, madame: vou levá-la presa. Esconder provas é crime.

Ela fechou os olhos e emudeceu.

– Mostro-lhe uma coisa, se também não sumiu – disse Rago. Levou o delegado ao carrinho de bebidas. A garrafa de Pippermint estava lá.

– É sua bebida predileta, não é?

– Sim – disse Deise. E desabou. Chorou copiosamente, com as mãos tampando o rosto.

Os homens esperaram, em silêncio.

– Quebra-cabeças dos infernos – Castilho murmurou.

Deise parou de chorar e baixou as mãos. Mostrou um rosto altivo.

– Sentem-se, cavalheiros. Vou contar o que querem saber.

Na sala de imprensa, os rapazes estão agitados. Onde está Rago? Saiu na maciota. São invadidos pela pior sensação da vida de um jornalista, a de que está sendo furado. No que Rago estará metido? Só pode ser o caso do punhal. Ligam para a Delegacia de Homicídios. Querem falar com o dr. Castilho. Em diligência. Desligam. Alguém lembra do escrivão Fúlvio, uma espécie de faz-tudo da Homicídios. Detesta Rago, acha-o um mascarado. Ligam novamente. Pedem por Fúlvio.

– Minha irmã sempre foi um pouco excêntrica – começou Deise, sentada na segunda poltrona Luiz XV. – Nós nos separamos cedo, porque eu casei e vim para São Paulo. Poucas vezes nos falamos por telefone. Trocamos algumas cartas… Eu não sei exatamente por que o terceiro casamento de Laura terminou. Bem… sei o suficiente mas não tenho coragem de falar.

– Faça um esforço, é em benefício da Justiça – disse Castilho, ardendo de curiosidade.

– Ela pegou o marido com outro homem. Em vez de fazer uma cena, tirou a roupa e se entregou a eles com intensa volúpia… Mais não digo.

– E o marido não viu como continuar o casamento, pelo que havia feito, e pelo que fizera a mulher – disse Rago.

– Sim, a atitude de cada um por si só inviabilizava… Enfim, ele cuidou para que a separação fosse sem traumas. Imagine esses detalhes num processo público… poderiam parar nas colunas de mexericos dos jornais. Ela ficou muito bem de vida. Uma única exigência: devia sair do Rio. Veio morar nesta casa. No início contou-me uma versão amenizada do fim do casamento, mas acabou revelando tudo. Para o Washington, passei só a versão açucarada. Tocamos a vida, mas os problemas logo surgiram. Numa manhã, a camareira saiu do quarto de minha irmã com um conjunto azul-marinho nas mãos, perguntando se devia lavar. Era um uniforme de aeromoça.

– Ela trabalhava…?

– Não.

– Assim descobri que Laura era dada a fantasias eróticas – continuou Deise. – Possuía o sonho ardente de ser uma comissária conquistada por um passageiro. Comprou o uniforme, vestiu-o no banheiro do aeroporto, e saiu de lá puxando sua mala de rodinhas, com a roupa anterior dentro. Quis me contar todos os detalhes, mas me recusei a ouvir. O fato é que um garoto de vinte e cinco anos satisfez sua fantasia num hotel próximo do aeroporto.

– Não passou um mês, tivemos uma cena no portão aqui de casa. Laura criou o sonho de ser possuída em um hotel barato, por um homem qualquer de rua. Falou vários dias sobre isso, excitadíssima. Eu tentava dissuadi-la. Pois ela se ofereceu a um varredor de ruas, que depois achou ter tirado a sorte grande. Pegou o endereço no registro do hotel, e veio aqui atrás dela. Tivemos que chamar o seu José, o vigilante da rua, para nos livrarmos do homem. E aqui tudo começa.

– Como? – fez Castilho. – Tudo começa?

– Washington soube do incidente. Tentamos minimizar, mas seu José foi fiel a ele: contou-lhe tudo. O que eu podia fazer, pôr minha irmã na rua? Meu marido concordou em dar um mês para que ela se mudasse. Mas o tempo passou, e ela foi ficando. Começou a sair todas as tardes de terças e quintas-feiras. Havia trazido o Mercedes do Rio, e mandou chamar um antigo chofer do último casamento. ‘Consegui um emprego’, me disse. ‘Estou fazendo assessoria para uma galeria de arte.’

– A senhora acreditou?

– Claro que não. Ela percebeu isso claramente. Há três semanas, quando bebericava seu café (era viciada em café), enquanto eu tomava minha menta, resolveu abrir o jogo. ‘Você deve estar muito curiosa para saber o que faço de verdade nas terças e quintas, não é?’ Respondi que não, nem estava interessada. Mas ela lançou na minha cara, com perdão da palavra: ‘Sou puta. Uma puta rampeira. Tenho quatro, cinco homens numa tarde. Satisfaço todos os seus desejos…’ Foi ao seu quarto e voltou com um maço de dinheiro. Estava juntando o ganho da prostituição para, por puro prazer, comprar um anel de brilhantes.

Deise baixou a cabeça e começou a chorar.

– Minha irmã… Fomos criadas juntas, com tanto carinho…

Rago percebeu que tinha nas mãos o maior furo de sua vida.

Quando os Repórteres Usavam Revólveres, novela policial de Valdir Sanches, está sendo publicada em capítulos.

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O jornalista Mario Marinho editou esta novela em sua revista eletrônica JT Sempre. É da edição feita por ele a ilustração deste post.

10 Comentários para “Quando os Repórteres Usavam Revólveres (5)”

  1. A curiosidade não me deixou esperar pelo dia 17, Sérgio. DesculO 50 Anos de Textos foi furado pelo JT Sempre. É um livro de suspense de primeiríssima linha Valdir Sanches. E também um grande roteiro para um film noir. Parabéns.

  2. Sério, Luiz Carlos? Você traiu o meu pobre site? Foi atrás do JT Sempre, achou e já leu o último capítulo??
    Fez você muito bem. Quem mandou eu dar um capítulo por semana e avisar que na lojinha ao lado tinha inteirinho?
    Livre concorrência é assim.
    Abração.
    Sérgio

  3. Ainda bem que você não é comerciante, Sérgio. Não mandei dar a dica. Mas o principal culpado é mesmo o talento do do Valdir.

  4. Sérgio sou curioso, mas também fiel, vou lendo o VALDIR devagar, devagarinho, até o último capítulo. Na nossa idade, a curiosidade do LUIZ é confundida com o apreço ao talento do VALDIR.

  5. É amanhã, quarta-feira, dia 17, o capítulo final, Miltinho!]
    Quem espera sempre alcança, três vezes salve a esperança!
    O Luiz Carlos é um traíra. (Mas tá certo ele…)
    Um abraço.
    Sérgio

  6. Miltinho, como você bem percebeu, entre as qualidades do texto do Valdir, está a capacidade de despertar a curiosidade do leitor, deixá-lo ansioso para desvendar logo o mistério. Nem todos autores conseguem isso. Um leitor viciado em suspense policial, como eu, aprende a não desprezar nenhuma informação que possa antecipar a resolução do mistério. Portanto, para que vocês não fiquem aí me malhando, esclareço que fiz exatamente como o nosso herói Rago: diante de uma boa pista, deixada pelo Sérgio, também não esperei pelo delegado e fui na frente descobrir quem era o assassino. Não tenho culpa se o autor do vazamento não contava com a minha astúcia e agora fica aí me chamando de traíra. Mas não tem problema: leio tudo de novo no dia 17.

  7. Estaremos todos juntos dia 17, para o final da novela policial/jornalística. Pensei comigo, no caso do Valdir, tal como autores de TV, tivesse escrito outro final, alternativo, que viesse a surpreender ao LUIZ CARLOS e SERGIO, sem deixar de matar a minha respeitosa curiosidade.

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