O fantasma de Collor

Perto de jogos decisivos da Seleção todo brasileiro é técnico de futebol. Diante de uma gripe ou um simples mal estar, dá dicas, receita remédios, vira médico. Agora, o que não falta é analista jurídico, cada um mais criativo do que o outro. Seja para fazer vingar ou para melar o pedido de impedimento da presidente Dilma Rousseff. Mas o que importa mesmo está em outra esfera: impeachment é um processo político ao qual Dilma, por soberba e talvez ignorância, se autocondenou.

Em pouco mais de uma semana, o país viu de tudo. Chantagem do presidente da Câmara e do Planalto, baixaria. Mais chantagem, mais baixaria. Ruptura e falsa conciliação do PMDB com Dilma. Tapas e bofetões na Câmara. Parlamentares black blocs. Interpretações constitucionais de conveniência na Câmara, no Senado e no governo. E até de ministro togado, caso de Luiz Edson Fachin, que chegou a afirmar que iria legislar – parece ter recuado – para normatizar de vez os trâmites constitucionais, a maior parte estabelecida na lei 1.079, de abril de 1950.

O pronunciamento do STF sobre o ritual do processo deve acontecer na quarta-feira, 16, se ministro algum pedir vistas. Até lá, vão pipocar mais e novas interpretações.

Incitados pelo próprio Fachin, Planalto e Senado apresentaram argumentos inéditos na sexta-feira. Dilma quer anular tudo e exige direito de defesa preliminar – algo que não está previsto nem na lei de 1950 nem na Constituição de 1988. O aliado Renan Calheiros força para puxar o processo para o Senado, casa menos hostil à presidente.

Nenhum desses argumentos tinha surgido até Dilma ser derrotada na votação que consagrou a chapa da oposição para compor a comissão da Câmara que analisará o aceite ou não do impeachment. Ali, em votação secreta, Dilma se viu com apenas 199 votos, 28 a mais do que precisa para impedir sua cassação. Uma margem arriscadíssima e de flagrante minoria para tentar governar caso não seja desapeada.

Deputados do PT e até o procurador-geral da República, Rodrigo Janot – sabe-se lá por que Janot se meteu nisso –, defenderam o voto aberto. Um excelente princípio. Mas tudo indica que, confessados os votos, o resultado seria ainda pior para a presidente, rejeitada por dois de cada três brasileiros.

Parte da justificativa do Senado tem cobertura constitucional. Não para esta, mas para a próxima fase, depois da aprovação da abertura do processo pela Câmara. Diz respeito à suspensão imediata da presidente. Nisso, a regra é clara, nem carece de interpretações. A Constituição estabelece que a suspensão nos crimes de responsabilidade se dê após “a instauração do processo pelo Senado Federal”.

Mas a mesma Constituição dá à Câmara a prerrogativa de iniciar e aprovar o processo sem que o Senado meta a colher, algo que Renan tenta inverter com análises criativas.

Ainda que paralisado pelo despacho de Fachin, o impeachment avança. E na pior área para a presidente: a documentação do conteúdo do crime.

Matéria publicada no jornal Valor Econômico da última sexta-feira não deixa dúvida quanto ao conhecimento, à intenção e ao mando para as pedaladas fiscais, mesmo diante dos sucessivos alertas de ilegalidade feitos pelos técnicos do Tesouro. Os documentos obtidos pela jornalista Leandra Peres falam mais do que um Fiat Elba. E ainda que não tenham o apelo emocional de Pedro Collor – números dificilmente dialogam com a alma – são tão ou mais contundentes.

A cassação de um presidente tem de se pautar em procedimentos legais, mas sabe-se – e sobre isso os pró e os contra impeachment concordam – que o processo é, sobretudo, político.

Isso apavora Dilma. Além de não ser do ramo, ela tem ojeriza ao aprendizado. Acha que tudo sabe. Agiu e age como quem não precisa de nada nem de ninguém. Nunca teve aliados, só interessados. Nem mesmo os que ainda hoje precisam fingir que estão ao seu lado apostam nela.

A ela, que agora apela às lágrimas para conseguir apoio que negligenciou, restam os ecos do brado de Collor dias antes da renúncia: não me deixem só.

Tarde demais. Dilma já está só.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/12/2015. 

Um comentário para “O fantasma de Collor”

  1. Dilma sempre esteve só, nunca teve maioria parlamentar, tão pouco foi eleita com a maioria dos eleitores. Compará-la a Collor é tarefa difícil, os argumentos político jurídicos dos defensores de golpe, esgotam-se na falta da materialidade, Collor se locupletou pessoalmente de uma ridícula Elba, e Dilma, ao contrário, não possui nada que a incrimine pessoalmente, tem contra ela uma política que procura juristas bicudos e oportunistas, é vítima do fogo amigo, realmente foi deixada só.
    Enganam-se os que acham que dois entre três brasileiros querem o impeachment.
    Dilma só deu umas pedaladinhas, deixou de pagar juros e se valeu de prerrogativa do cargo que os jornalistas juristas pretendem transformar em crime. Como faltam-lhes competência foram procurar a assinatura de jurista renomado que fez uma denúncia política de teor flagrantemente partidário. Querem convencer o povo a respaldar o golpe. O resultado foi visto hoje, dia 13, na Avenida Paulista. Falar em nome do povo é ridículo. O povo deixou Collor só, Dilma está só no parlamento e nas redações dos jornalões não nas ruas. Patética a rede Globo dando total cobertura às manifestações fora Dilma, e pusilânime o comportamento do apresentador Fausto Silva em tentar apoio dos artistas premiados com estatuetas forjadas com o minério de Mariana. Ao final da premiação o apresentador constrangeu os premiados a falarem sobre a conjuntura nacional. Premidos pela saia justa, a maioria saiu pela tangente, exceção ao lamentável discurso da atriz Cássia Kiss. Dois entre três brasileiros que assistem a Tv Globo não foram às ruas protestar, ficaram em casa. O POVO NÃO É BOBO.

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