Desconsolo

“Graças a Deus que estamos no estado democrático de direito e graças a Deus que os trabalhadores podem fazer greve. Mas o dano que a sociedade toda teve, de sofrimento, é irreparável”. Rilma Aparecida Hemetério, desembargadora do TRT-SP.

Muitas foram as imagens das cidades brasileiras convulsionadas pelas últimas greves, umas ainda em curso, outras em suspenso. Mas nenhuma delas mexeu comigo como a de uma enfermeira em São Paulo, anteontem.

Parada na calçada, com um olhar opaco, ela disse ao repórter que depois de um plantão de 36 horas, ela estava ali há algum tempo, sem conseguir condução para ir para casa. Então decidira voltar para a Casa de Saúde e dormir lá mesmo, até a hora do início de seu outro plantão.

Toda essa declaração foi feita no mesmo tom de voz, monocórdio, voz que exalava cansaço, desânimo, desconsolo. Nem indignação, nem tristeza: só desconsolo.

Sabe-se lá quantos casos como os dela, ou piores, não têm ocorrido nos últimos dias dessas greves-surpresa, perfeita expressão da jornalista Mara Bergamaschi em seu artigo de ontem, 22/5, aqui neste Blog (*).

Espero que a enfermeira da qual não ouvi o nome tenha visto, como eu vi, a desembargadora Rilma Aparecida Hemetério informar, severa, em audiência preliminar no TRT da 2ª Região, que o movimento não cumpriu a lei federal 7.783/89 – lei que regula greves em serviços essenciais.

A desembargadora disse que o mal irreparável afetou toda uma coletividade, e mais: “O direito de greve é uma garantia constitucional, mas os trabalhadores têm de perceber que o direito deles também esbarra no direito de muitas outras pessoas”.

Está marcada uma sessão do TRT para as 17h de segunda-feira. Dez desembargadores decidirão se a grave foi ilegal ou não. Tomara que a decisão seja a única possível: pela ilegalidade da greve que sacrifica mais ainda uma população que já sofre muito com a vida dura que leva e que não obedeceu ao mínimo que uma cidade civilizada deve exigir: greves em serviços essenciais devem ser marcadas com antecedência, com largo tempo para as pessoas se organizarem.

Tomara, repito. Mas ao mesmo tempo, impressionada com a audácia dos representantes dos sindicatos dos patrões assim como o dos empregados, que afirmaram não poder se comprometer com a decisão de pessoas insatisfeitas com seu salário, tenho cá minhas dúvidas. Para que servem os sindicatos, então?

Mais de 300 mil pessoas já foram prejudicadas. Doentes, mães que precisam render a pessoa que cuida de seus filhos, filhos com pais idosos que dependem deles para tanta coisa, são incontáveis os exemplos que podem ser citados aqui.

Muito sangue, suor, lágrimas e labor foram investidos para cumprir as exigências do Mundial 2014. A partir de 3 de junho, seremos ocupados pela FIFA… Mas sem mobilidade urbana – (tradução: condução) – nem o mais apaixonado torcedor cumprirá sua sina, torcer.

Que a Copa corra bem, são meus votos. Mas o que mais desejo é que aquela enfermeira nunca mais passe pelo que passou. Que seu desconsolo não volte, ou que seja substituído por uma santa indignação.

(*) Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 23/5/2014.

2 Comentários para “Desconsolo”

  1. Serviços essenciais nas mãos de empresas PRIVADAS que são extorquidas. Os sindicatos servem para mediar a ação de extoquiadores e extorquiados.

    Ernesto me convidou pra ver a copa na sua tv de 50 polegadas, comprou em 10 vezes nas Casas Bahia, não mora mais no Braz, agora mora na periferia num AP da minha casa minha dívida comprado em 300 meses (25 anos) junto a CEF/BB os bancos sociais. Vou de Jegue!

  2. Desconsolo

    Minha cabeça de noite batendo panelas
    Provavelmente não deixa a cidade dormir
    Quando vi um bocado de gente descendo as favelas
    Eu achei que era o povo que vinha pedir
    A cabeça de homem que olhava as favelas

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