Não se trata de uma tese, daquelas acadêmicas. Caso contrário, haveria uma preposição no título da coluna (“Da importância do cachorro na cidade vertical”), as palavras e locuções “contudo”, “todavia”, “com efeito” seriam grafadas várias vezes. Haveria, claro, pelo menos cinco citações, três de autores estrangeiros, talvez até no original.
Nada disso. A coluna trata simplesmente de um fato vivido.
Há três domingos desci do prédio com Romeu, meu pug preto de seis anos, para o passeio matinal. Por acaso, logo na saída, avistei à distância um boxer, Fred, também membro do nosso condomínio. Ele voltava do passeio com seu dono. Romeu e Fred não se toleram. Meu cão ainda não aprendeu o conceito de correlação de forças. Ele tem onze quilos e trinta e cinco centímetros de altura. Fred tem uns trinta quilos e mais de duas vezes a altura de Romeu. Se avistar Fred e estiver solto (Romeu passeia sem coleira, ordeiramente), será briga na certa.
Os dois cães não brigam quando os donos não querem. Atravessei a rua, antes que Fred fosse avistado ou que o faro de Romeu detectasse o desafeto nas cercanias.
Mal atravessei a rua, dei de cara com outro cão passeando, com seu dono. Depois das clássicas perguntas (“é macho?”, “é bravo?”). Nossos cães se deram bem, depois de se cheirarem em partes dos seus corpos que fogem à compreensão dos humanos. Passeamos juntos.
Rapidamente descobrimos, eu e Sérgio (meu xará!), após rápida apresentação e reconhecimento dos sotaques, que éramos pernambucanos, torcíamos pelo São Paulo, e em Recife, vivemos em vizinhanças muito próximas. Só divergimos em relação às nossas paixões futebolísticas em Recife. Eu sou rubro-negro (Sport) e ele, Náutico. Temos filhos na mesma faixa etária (12/13 anos). Na verdade, meu novo amigo tem trigêmeos do primeiro casamento, uma menina e dois meninos e um menininho de dois anos do casamento atual. Eu tenho duas filhas do segundo casamento (30 e 29 anos) e um filho do casamento atual, com 13 anos.
Ficamos de nos ver mais vezes. Trocamos e-mails. Recebi dias depois uma correspondência eletrônica de Adriana, a esposa de Sérgio, intitulada “Encontro de cães”, relatando o acontecido e propondo que nos encontrássemos.
E-mail pra cá, e-mail pra lá, marcamos para o domingo passado um encontro logo cedinho, de manhã, para assistirmos ao jogo Internacional x Barcelona.
Meu Xará é pé quente. Pulamos, abraçamo-nos, gritamos muito, quando o Colorado selou a sorte da trupe de Ronaldinho (1). Vieram para a minha casa o casal amigo e seu filho, um menininho de dois anos, inteligentíssimo (claro, filho de pernambucanos e são-paulinos, não poderia dar outra coisa), ativíssimo e afetivo. Tomamos um belo café da manhã, preparado por minha esposa, Maria, que de futebol não entende muito, mas é campeã em informática (sua profissão) e na cozinha.
Logo após o Natal será a vez de minha família visitar a de Sérgio, do outro lado da rua. Comentamos que na cidade vertical, nas regiões com grande adensamento de prédios, como a nossa, as pessoas não mais se conhecem, mesmo as que moram no mesmo edifício e até no mesmo andar.
Os filhos aproximam seus pais dos pais dos amigos. Não é uma aproximação estreita. Fala-se no interfone, cumprimenta-se no saguão e no elevador, não muito mais do que isto.
São os cães os responsáveis pela aproximação das pessoas, na cidade vertical. Conversa vai, conversa vem, passeios vão, passeios vêm, as pessoas passam a se conhecer. E até pode acontecer a construção de novas amizades, como agora está ocorrendo entre as famílias minha e de Sérgio, praticamente um vizinho.
Devo a Romeu, meu pug companheiro, um monte de novos amigos, amigas e conhecidos e conhecidas, que venho fazendo no entorno do meu prédio. Ele é muito afável. Gosta de pessoas, sobretudo crianças. Entre os animais,
só tem três desafetos: Téo, Beethoven e Fred. Téo é um poodle preto. Beethoven um Schnauzer e Fred, um boxer. As razões dos ódios mútuos pertencem ao território da psicologia dos descendentes dos lobos. Não tenho tempo nem dinheiro para procurar um terapeuta que consiga fazer Romeu entender-se e superar este sentimento indesejável.
Nestes dias que antecedem o Natal eu me diverti muito. Coloquei um chapeuzinho de Papai Noel em Romeu (2). Circulamos pelos lugares conhecidos. Foi um sucesso de público e de crítica. E um grande fator de aproximação minha com muita gente que convive no mesmo espaço da cidade vertical, em Perdizes, São Paulo.
Obrigado, Romeu.
Dezembro de 2012
(*) Antônio Sérgio Martins é blogueiro e informata, mas sobretudo um ser político. Um de seus blogs é o Pitacadas – Política em Foco. Outro, sobre as aventuras de seu cachorro, é o Chope, o Blog.
(1) Internacional 1 x 0 Barcelona, de Ronaldinho, na final do mundial interclubes.
(2) Romeu viria a morrer, aos 7 anos, em 7/9/2007. Foi um meteoro que passou rapidamente pela minha vida e de meu filho, em uma fase difícil da minha saúde. Com seu companheirismo, afeto e bom-humor, tornou nossos dias melhores.
Minha mulher tem um Maltês de um quilo e meio que também desconhece o conceito de correlação de forças. Dia desses ele fugiu e invadiu a casa de um Rottweiller, certamente com a intenção de estraçalhá-lo. Alguma coisa deve ter dado errado na briga, pois acabei pagando 700 pratas para o veterinário remendá-lo, fora os remédios. O antecessor do Maltês, um Poodle chamado Michuê, conseguiu a proeza de ser atropelado por uma Kombi, ingerir veneno de ratos, ser mastigado por um Rottweiler que ele enfrentou ao invadir a nossa casa e, mesmo assim, morrer de velhice.
Saudades de Beethoven, poodle de 3 patas, atropelado 3 vezes, resistiu, sobreviveu e morreu de velho, com 14 anos.Certa vez se perdeu por 8 dias ao seguir os cães de um carrinho de catador de lixo. Foi encontrado graças a solidariedade e campanha dos vizinhos cachorreiros que torciam pela sua volta, já que era um personagem querido da cidade vertical. Sou conhecido no bairro por causa dele, o simpático e amigável Beethoven,meu único amigo.
Acordei, não poderia deixar de comentar!
O Antônio Sérgio tem outro cão chamado Chope, dono de um Blog que recebe muitos amigos. Não deixem de visitar.