Problemas de memória

Ele diz que não viajou no avião e depois diz que viajou mas não sabe bem se viajou porque não tem memória absoluta.

Há uma foto dele descendo do avião no qual nunca subiu.

Ele diz que não tem relações com o homem da ONG Pró-Cerrado mas viajou pelo Maranhão com o mesmo homem cujo nome ele se esforça para esquecer, numa encenação pública de fazer corar de vergonha qualquer Victor Mature de pedra.

Como ministro, ele deu aval à criação de sete sindicatos patronais fantasmas, um dos quais representando a indústria da construção naval do Amapá, ainda que o Estado jamais tenha visto um só estaleiro em toda sua existência.

Um auxiliar direto seu foi afastado acusado de extorsão.

Ao depor no Senado, ficou sabendo que recebeu três diárias e meia por uma viagem que não se lembra de ter feito, e com toda segurança afirmou que “tenho que ver se tem algum detalhe irregular, se tiver eu devolvo depois.”

Carlos Lupi já tinha espantado o País no começo da crise da sua pasta dizendo que “Duvido que a Dilma me tire, ela me conhece muito bem. Para me tirar, só abatido à bala”.

Um ministro que dissesse alguma coisa parecida em qualquer outro país do mundo provavelmente já estaria descansando em casa, cuidando da família e recolhido à sua vida particular. Lupi não. Usou seu peculiar talento retórico para desculpar-se com a pessoa que lhe garante o emprego, a presidente da República: “Presidente Dilma, desculpe se eu fui agressivo. Eu te amo”.

Num primeiro momento, a presidente parece ter se encantado com a declaração de amor e devolveu com um tenro “o passado já passou”.

Ao contrário do que aconteceu nos episódios anteriores da demissão de ministros dos Transportes, do Turismo, da Agricultura e dos Esportes (a demissão de Palocci da Casa Civil não entra nesta contagem porque no PT ele está longe de ser um campeão de popularidade), o partido do qual Carlos Lupi é presidente e manda- chuva licenciado, o PDT, não ameaçou cortar os pulsos. Pelo contrário: o presidente interino do partido, André Figueiredo, aconselhou-o a sair de fininho.

A blogosfera chapa-branca prestou a Lupi um apoio formal, o que naturalmente faz parte de suas atribuições funcionais, mas discreto e quase frio, sem aquele derramamento de emoções que envolveu a saída traumática de Orlando Silva, embrulhado numa espécie de Santo Sudário dos mártires da trama diabólica da imprensa golpista.

Lupi usou o padrão usual dos acusados daquilo que a chefe chama de “malfeitos”: acusou a imprensa e pediu as provas. Cadê as provas? Se além de todas as outras evidências, uma foto dele descendo do avião no qual disse jamais ter subido não for prova suficiente de que ele mentiu, o que seria uma prova, no seu entendimento?

Mentir pode não ser crime capitulado no Código Penal, mas no universo político onde o ministro transita, é mais do que pecado mortal. Ministros não podem mentir porque a mentira, ainda mais quando apanhada em flagrante, significa perda de confiança.

Se a presidente continuar achando que ainda assim o ministro merece a sua confiança, ela tem um problema. E o País também.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/11/2011.

2 Comentários para “Problemas de memória”

  1. Sandro: classe, refinada ironia e propriedade absoluta no quadro de poucas linhas com que você expõe a obra do bufão Lupi. É isso: desceu do avião em que não tinha viajado, passou uma grana para um lobista (invertendo a mão de direção)e está andando, com o corpanzil que só cai com bala forte, sem chão sob os pés. Acho que o homem é um prestidigitador. Será que ele transforma papel em dinheiro?

  2. Sandro, desculpe nossa falha. Confundi Lupi com Agnelo Queiroz (convenhamos, não é difícil). Então foi o governador quem passou um dinheiro para um lobista, e não Lupi, como escrevi aí em cima. E o lobista devolveu, e todos ficaram felizes, e eu acredito em duende.

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