A cara do Brasil era mais bela quando o Doutor Sócrates jogava aquele seu futebol único, inimitável.
Gostaria de prestar uma homenagem a Sócrates, ainda que pequena, ínfima, mínima, mas confesso que não tenho arte para tanto.
Jamais saberia descrever a alegria que Sócrates me deu, a mim e às pessoas mais queridas, minha filha novinha e já corintiana de fibra, com seus dribles sensacionais, no Morumbi e no Pacaembu, nos dando vitórias maravilhosas sobre o Santos, o Palmeiras, o São Paulo. Ou com a camisa amarela da Seleção, na Espanha – nossa melhor Seleção de todos os tempos, mesmo que tenha voltado para casa sem o caneco.
O que vale mais: um caneco, ou o futebol mais elegante que já se jogou com a camisa amarela da Seleção? Para mim, vale mais o segundo. Para Celso Viáfora e Vicente Barreto também.
Vou me lembrar para sempre da alegria que Sócrates nos deu com suas jogadas na Copa Espanha, e que vimos, Regina e eu, embevecidos, na TV da casa da Tânia Fusco – mais jamais saberia descrever aquela emoção.
E então recorro a Celso Viáfora e Vicente Barreto, na voz de Ney Matogrosso. Eles perguntam qual é a cara do Brasil: “Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho, que é o Brasil zero a zero e campeão, ou o Brasil que parou pelo caminho: Zico, Sócrates, Júnior e Falcão?”
E recorro à arte de José Miguel Wisnik, na voz de Ná Ozzetti: “Com destino e elegância dançarino pensador, Sócio da filosofia da cerveja e do suor Ao tocar de calcanhar o nosso fraco a nossa dor Viu um lance no vazio herói civilizador (O Doutor)”.
É bom ouvir essas canções, ouvir as vozes de Ney e Ná, lindas como os gols de Sócrates, nos fazendo lembrar que ele é imortal.
O Brasil sabe fazer coisas boas. O Brasil tem também uma cara bela, embora hoje em dia seja difícil enxergá-la.
Obrigado por mostrar a cara bela que este país pode ter, Doutor.
4 de dezembro de 2011
O belo texto que eu não soube fazer, um sujeito chamado Jorge Quixano fez. Está no site do El País – uma beleza, sob o título de “Muere Sócrates, el demócrata del fútbol”. Um brilho.
A Cara do Brasil
(Celso Viáfora-Vicente Barreto)
Eu estava esparramado na rede
jeca urbanóide de papo pro ar
me bateu a pergunta, meio à esmo:
na verdade, o Brasil o que será?
O Brasil é o homem que tem sede
ou quem vive da seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
o que vai é o que vem na contra-mão?
O Brasil é um caboclo sem dinheiro
procurando o doutor nalgum lugar
ou será o professor Darcy Ribeiro
que fugiu do hospital pra se tratar
A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se virar sozinho
decerto então nunca vai dar
O Brasil é o que tem talher de prata
ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
o Brasil gordo na contradição?
O Brasil que bate tambor de lata
ou que bate carteira na estação?
O Brasil é o lixo que consome
ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
que é o Brasil zero a zero e campeão
ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão
A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho…
O Brasil é uma foto do Betinho
ou um vídeo da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília
ou os trens de subúrbio da Central?
Brasil-globo de Roberto Marinho?
Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
ou quem das ilhas vê o Vidigal?
O Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação? A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho…
Sócrates Brasileiro
(José Miguel Wisnik)
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Deu um pique filosófico ao nosso futebol
O sol caiu sobre a grama e se partiu
Em cacos de cristais
As cores vestiram os nomes
E fez-se a luta entre os homens
Até os apitos finais
(Disseram os deuses imortais)
A história não esquece que a bola se negou mas chorou nosso gol
E vai se lembrar para sempre da beleza que nada derrotou
Mas quem será que diz que venceu
No país em que o ouro se ganhou e perdeu
(Derreteu)
O futebol é a quadratura do circo
É o biscoito fino que fabrico
É o pão e o rito o gozo o grito o gol
Salve aquele que desempenhou
E entre a anemia a esperança
A loteria e o leite das crianças
Se jogou
Com destino e elegância dançarino pensador
Sócio da filosofia da cerveja e do suor
Ao tocar de calcanhar o nosso fraco a nossa dor
Viu um lance no vazio herói civilizador
(O Doutor)
Viva la canariña!