Mineiro: o queijo

Na mão a faca e o queijo. Não qualquer um, desses fabricados pelos grandes laticínios, feitos com leite pasteurizado, à moda norte-americana. Ou aquela coisa mole, soro puro, que faz sucesso nos supermercados e lojas sofisticadas do país. Trata-se de um legítimo produto cultural do povo e da história de Minas Gerais, o queijo artesanal produzido em terras mineiras da Serra da Canastra, do Serro ou do Alto Paranaíba.

Corto com vontade um pedaço de bom tamanho e passo a degustar essa delícia de minha terra, patrimônio cultural do Brasil. Apesar de ter suas qualidades reconhecidas por quem aprecia uma boa iguaria e sabe o que ele significa para os homens e mulheres daquelas regiões, que conservam um modo de fazer adquirido há cerca de três séculos – admirem-se, espantem-se, o queijo mineiro feito com leite cru é proibido de circular pelo país, não pode passar das fronteiras do Estado.

Uma determinação nacional de 1951 e normas burras da burocracia estatal impedem que os brasileiros conheçam, em suas cidades, essa preciosidade.

Os cariocas e os paulistas, por exemplo, podem comprar, nos mercados, os queijos feitos com leite cru vindos da França, da Itália e de Portugal.

E foi de terras lusitanas que veio a ciência de se fazer esse tipo, que se adaptou às maravilhas ao clima, à terra e às mãos mineiras. O produto estrangeiro pode, o mineiro não.

Esse é o tema do belo documentário de Helvécio Ratton, O Mineiro e o Queijo, que tem música, boa como queijo, de Tavinho Moura. Pode ser visto nas boas casas de exibição de filmes finos. Depoimentos comoventes de mulheres e homens que nasceram e cresceram vendo seus pais e avós manufaturando e que passam seus conhecimentos para os filhos e netos.

O amor ao queijo, que eles fazem e adoram comer com feijão, com arroz, com café, só ou com doce. Isso sem falar, no filme não se fala, no belo acompanhamento para a cachacinha, a cervejinha ou o vinho.

Já não podemos andar de trem. Querem varrer da história aquele mineiro que senta nos calcanhares e calmamente, com o canivete, vai modelando o fumo para o cigarro de palha. Querem acabar agora com uma tradição secular que é a vida das famílias da Canastra, do Serro e do Alto Paranaíba. O que elas sabem criar, e muito bem, é esse alimento saudável. Sabem mais que os técnicos governamentais, que parecem não perceber que o tempo de maturação nos trópicos não é o mesmo dos países gelados do Norte do mundo. Um dos queijeiros antigos diz: meus bisavós comeram, meus avós e meus pais também, eu e minha família, todo mundo comeu e come esse queijo e ninguém adoeceu por isso.

Liberdade para o queijo artesanal mineiro, essa a palavra da vez.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em novembro de 2011.

Um comentário para “Mineiro: o queijo”

  1. Oi Sérgio! Vi na TV a bela reportagem sobre essa dificuldade em relação ao queijo de Minas. É tanta besteira que inventam só para complicar!!! Higiene demais em terra de pé sujo é desconcertante!!! Pasteurizam e deixam apodrecer nos balções frigoríficos nos locais de venda… enquanto isso o bem feito, com carinho e copetência não está à nossa disposição!

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