pai, qual é a música mais triste que você conhece?, perguntou-me meu filho. já estamos deitados nos nossos colchões. o dia foi pesado. meu pai não conseguiu esconder aqueles olhares em que eu comecei a perceber um tipo de censura muda. o menino saíra e entrara diversas vezes e quase quero crer que os grandes cães é que o consolavam porque iam e vinham com ele, formando um tipo de séquito solene e sem alegria mas que o confortava a ponto de aos poucos ele se sentir um pouco mais à vontade.
a música mais triste pra mim é o prelúdio do terceiro ato do Tristão.
você tem?
tenho uma fita em que gravei só essa música, uma atrás da outra. quer que eu ponha pra você dormir?
por que gravou uma fita inteira com a mesma música?
eu estava muito triste e queria ficar escutando todo o tempo.
parece o pequeno príncipe e o pôr-do-sol.
é verdade.
e como é que as pessoas deixam de ficar tristes?
não sei bem. acho que a gente acaba se cansando. venha pra minha cama, meu colchão. depois que você dormir, eu te levo pro seu.
cobri-o. tirei as pilhas do toca-disco, coloquei no gravador.
já iniciado o trágico lamento, ele falou:
vovô, amanhã quero te fazer uma pergunta.
por que não agora?
quero pensar um pouco mais. témanhã, pai. témanhã, vô.
e meu pai: muito bem, crianças. aconteceu. o que tem que acontecer, tem que acontecer, doa a quem doer. não, não era isso que eu queria falar. é pena que algumas coisas doam tanto. vamos dormir.
e eu, perdido e sonolento, terminei por passar ao colchão do menino, onde dormi rápido, sem sonhos nem visões, apenas muito cansado.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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