Introdução:
Quando meu filho mais novo tinha dez anos – outubro de 1990 – tivemos uma conversa que transformei em crônica. Hoje, tanto tempo passado, penso que a conversa continua valendo. A crônica, quem sabe?
Meu filho mais novo gosta de costurar. Se chega perto de mim com a calça do uniforme na mão, sei que não vai me mostrar onde ela está rasgada, mas onde esteve.
Há poucos dias, entretanto, buscou socorro.
– Mãe, só você costurando pra mim. Rasgou demais no futebol da escola, olha aí.
Junto de mim, atento às idas e vindas da agulha, reconhece:
– Puxa, mãe, você costura muito melhor que eu!
– É que eu faço isso há muito tempo, filho. Sou mais treinada…
– Quem que te ensinou?
– Adivinha!
– Sua mãe ou sua vó?
– Adivinha!
– Sua mãe!
– Menino inteligente!
– Por que não foi sua avó, mãe?
– Ah, filho, sabe que nunca vi minha avó costurando?
– Você devia ser costureira, mãe. Já pensou quantas calças rasgadas você consertava num dia só? Ia ganhar muito mais dinheiro do que sendo escritora.
– Não disse que você é inteligente?
– E tem outra coisa, mãe. Você não ficava famosa, nem morria cedo.
– De onde você tirou isso, filho?
– Você não vê na televisão, mãe? Todo dia morre gente famosa. Artista, escritor, todo dia.
– Nem todo escritor é famoso, filho.
– Você é, mãe.
– Sou nada, ninguém me conhece. Nem os vizinhos que vivem subindo e descendo de elevador com a gente, todos os dias…
– Minha professora te conhece! Toda vez que eu escrevo errado, ela fala que nem pareço filho de escritora!
– E quando você costura, ela fala o quê?
– Tá ficando doida, mãe? Só costuro aqui, perto de você! Ninguém sabe disso!
– E se você virar um costureiro famoso, quando crescer?
– Vira essa boca pra lá, mãe!
– Pode acontecer, não pode?
– Ah, se um dia, daqui a muito tempo, eu for costureiro, quero costurar sossegado, assim, como você. Sem fama nenhuma. Ninguém, nem minha professora, sabe que você conserta nossas roupas. Sem fama nenhuma, mãe. Assim é que é legal. Já te falei, gente famosa morre cedo.
– As outras pessoas também morrem, filho.
– Morrem nada, mãe. Ficam aí, vivendo toda vida. Puxa, mãe, você não sabia disso?
28/10/1990
Este texto foi originalmente publicado no Estado de Minas. As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o jornal estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata. Publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial), Leonel está recuperando as crônicas que Vivina publicou no jornal mineiro entre 1990 e 2000. Com a autorização de Vivina, estou aproveitando o trabalho de Leonel Prata e republicando também aqui os textos
Caro Sérgio Vaz,
Sou grata a você, ao Leonel, pelas publicações vivinianas.
É maravilhoso encontrar vagando pela internet escritos tão agradáveis aos olhos como estes e outros de minha querida amiga Vivina.
Andreia Hernandes/Assis-SP