Era Sexta-Feira da Paixão, feriado. Este que vos escreve perfilava-se entre os repórteres de plantão na redação do Jornal da Tarde. O Zé Maria, no comando da redação, nessa manhã, me vem com uma pauta.
– Sanches (me chama assim) como estará o movimento nas churrascarias, hoje?
Não entendi a proposta.
– Churrascarias no feriado…
Ele me encarou com um olhar de “então?…”.
Ah! Demorou mas repassou ligado (antigo caiu a ficha). Churrascaria no dia em que não se come carne… Sim, boa pauta. Solicito a companhia de um caçador de imagens (como dizia o grande Rolando de Freitas, sobre seu trabalho) e embarcamos na viatura da reportagem.
Logo na Avenida Sumaré havia uma churrascaria, não muito grande, mas bem ajeitada. Entramos. Umas tantas mesas ocupadas. Escolhi pelo jeito o entrevistável, que parecia comandar a mesa com mais dois homens. Abordamos.
– Somos repórteres do Jornal da Tarde… (detesto interromper a refeição de alguém, mas não havia jeito).
O homem parou de comer sua picanha. Expliquei a matéria, ele entendeu o espírito (santo?) da coisa. Tinha uma pequena empresa no bairro, e estavam trabalhando, mesmo com o feriado. Os outros dois eram seus empregados.
Vai aquela conversa boba, comer carne hoje, Sexta-Feira Santa?. que que tem, é coisa antiga, poucos ainda ligam, etc., etc.. Fotos do homem com seu prato de carne. Para não inibir, nessas situações, pergunto o nome no fim da entrevista.
– Como é seu nome?
– Jesus Barbalho.
Barbalho? Puxa, o governador Jader Barbalho estava na crista do noticiário, acusado de irregularidades. Falamos um pouco sobre isso, fiz mais duas ou três perguntas, e saímos.
Na rua, o fotógrafo pede o nome do entrevistado, para identificar a foto. Leio minhas anotações e caio duro. Jesus Barbalho. O homem se chama Jesus! Me impressionei tanto com o Barbalho que não gravei o Jesus! Que nenhum foca saiba disso.
Avaliei se era o caso de voltar à mesa e interromper novamente o almoço do bom Jesus. Mas não, o que eu tinha estava bom.
Fomos a mais duas churrascarias, embora a matéria já estivesse pronta. Numa delas, pergunto o nome do entrevistado.
– Ricardo Teixeira.
E não tinha nenhuma ligação com futebol.
Entrei na redação contando logo que tinha entrevistado Jesus comendo carne. Redijo, entrego a matéria. Foi para um copy altamente criativo (o nome, miseravelmente, não lembro). Deu o título, para o alto de página:
Jesus vai de picanha na Sexta Santa
A redação se empolga. Matéria bem humorada, diferenciada, acima do noticiário de estradas e cemitérios. Na época, o editor de Geral era um rapaz com jeito de super boy, puro dinamismo. Mas fora de tom, para um jornal como o JT. Leu o título, ficou inseguro – e o vetou.
Em seu lugar entrou alguma coisa opaca, que matou a página e o espírito da matéria. O texto, com algum molho, foi mantido. Mas não era a mesma coisa.
Postado em maio de 2010
2 Comentários para “Historinhas de redação (3): A matéria que o editor matou”