Os tiros atingiram a…
Levou dois tiros na…
Na…
– Marcão, me dá uma ajuda aqui. Esse sujeito do crime da Alameda Glete levou dois tiros onde? Como vou escrever isso?
– Fácil, dois tiros na…
O editor da página policial pensou um pouco.
– Não tem jeito. Dois tiros na nádega.
– Nádega? – reagiu o repórter. – Nádega é coisa de Instituto Médico Legal.
– Bom, vai ser o quê? – o editor começou a irritar-se. – Bumbum? O assaltante José Rampeiro, vulgo Zezinho Pé Sujo, perseguido pela polícia, depois de roubar duas meias usadas de um mendigo, levou dois tiros no bumbum. Tem graça!
– No traseiro. Dois tiros no traseiro – animou-se o repórter.
– Impreciso. Traseiro não define o que se quer dizer. Nádega pode ser ruim, mas é específico.
Desta vez foi o repórter quem se irritou.
– Não serve porque é traseiro de pobre. Se fosse de rico, podia até ter sotaque. Mônaco, urgente: a princesa Stephanie escorregou na escada e machucou a derrière. A France Press usa, por que não podemos usar?
– Você não ia querer que a princesa caísse de bunda no chão, não é?
– Taí. Perseguido pela polícia, Zezinho levou dois tiros na bunda.
O editor de polícia pensou um pouco. Abriu um sorriso.
– Você escreve assim, tiro na bunda. Vamos ver como o copy (redator que confere o texto) vai se virar.
No dia seguinte, lia-se sob o título Assaltante Baleado: “Depois de uma tentativa de assalto, José Romeiro, o Zezinho da Rampa, foi baleado por policiais na região glútea”.
Meia hora depois, o copy deixava a redação, despedido:
– Miseráveis, me deram um pé no posterior!
Simplesmente uma delícia. Depois de um “baleado na região glútea”, só mesmo “um pé no posterior”. Afinal, pelo jeito, a bundinha do copy ficava em cima do pescoço.