Estrela tracejante no céu de África

O cinema era o Avis. Um ano depois já se chamava Karl Marx. Juro que foi lá, à meia-noite, no Natal de 1974, que vi Tomorrow, adaptação de um conto de Faulkner. O artista, como ainda se dizia, era Robert Duvall, solitário agricultor que dá guarida a uma mulher tão grávida como abandonada. Continue lendo “Estrela tracejante no céu de África”

Keaton e Chaplin na Almirante Reis

A mulher madura ria-se, de perdida, os dois pés assentes no lancil do passeio da Avenida Almirante Reis. De pés no lancil do passeio, na Almirante Reis, nunca mais ninguém, mulher ou homem, se rirá tanto e tão perdidamente. Deixemos a mulher madura, da pequena burguesia ascendente dos anos 80, rir-se. Voltaremos a ela quando consiga falar. Continue lendo “Keaton e Chaplin na Almirante Reis”

A cruz perpétua

Na mão psiquiatricamente perturbada de Arthur Herman Bremen brilhou o ponto trinta e oito, o mais mítico dos revólveres, e quatro tiros no ventre condenaram o senador George Wallace a paralisia perpétua da cintura para baixo. Em 1972, a mando da desordem mental da mão de Arthur Bremmer, o seu dedo indicador no gatilho inaugurou, sem o saber, uma valsa a três tempos que punha a dançar arte e realidade. Continue lendo “A cruz perpétua”

Um olho no cavalo, outro em Dean Martin

O tipo era um bêbado sem remissão. Tão reles e submisso que já nem à mão lhe davam a moedinha: atiravam-lha para o escarrador do saloon. Falo de Dude, a quem os mexicanos chamavam Borrachón. E, todavia, esse trapo, que se esfregava pelas ruelas traiçoeiras de Rio Bravo, destila uma elegância física natural. Dentro de Dude está afinal Dean Martin. Continue lendo “Um olho no cavalo, outro em Dean Martin”

A tesoura de Grace Kelly

O dinheiro tanto move montanhas como movia Alfred Hitchcock e as personagens dos filmes dele. Por dinheiro, um antigo campeão de ténis, personagem de Dial M For Murder, manda matar a mulher, temendo que ela o deixe e leve a fortuna, trocando-o por um romancista de policiais, como romancista de policiais também era o meu amigo Dinis Machado, que muito amava a sua Dulce Cabrita. Continue lendo “A tesoura de Grace Kelly”

Diz-me agora que não tens medo

A paixão que é o medo! O amor, o amor, pois claro, a cálida perna nua que se roça pela nossa correspondente nudez, a diligência investigacional com que indicador e polegar tacteiam um mamilo, como se fossem crianças de seis anos a brincar às escondidas… o amor, pois claro, mas nada se compara à paixão pelo medo. Continue lendo “Diz-me agora que não tens medo”

O enfarte de miocárdio

Mas quem é que hoje ainda apanha um comboio? Eu sou do tempo em que até se apanhavam comboios para 1920. John Wayne apanhou um desses belíssimos cangalhos ronronantes e desembarcou em Inisfree. Foi a mando de John Ford e o comboio chegou com três descomprometidas horas de atraso.  Continue lendo “O enfarte de miocárdio”

Que longe que era a guerra

Pode alguém ter saudades e memórias ternas e queridas da guerra?

Aposta arriscada, mas vamos já à destrunfa: eu nunca conheci Hitler, mas Bill um miúdo inglês que bem podia ter crescido na velha Luanda dos anos 60,

se não fosse um puto londrino dos anos 40, quer dizer duas coisas ao alemão de curto bigode e vai explicar-nos tudo.

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O frio Novembro do Colorado

O mergulho baptismal nas águas do Jordão foi essencial para o êxito do cristianismo. A imersão nas águas desse rio, pelas seguras mãos de um nadador-salvador como era São João Baptista, só podia ser redentora, salvífica e lustral. Eram águas cálidas de um Médio Oriente sufocante. Mergulhava-se de túnica vestida e era tão bom como Deus achava que era boa a Sua Criação – que, não desfazendo, não é má de todo. Continue lendo “O frio Novembro do Colorado”