O antigo versus o moderno no Brasil

A História do Brasil tem sido marcada por um constante conflito entre o arcaico e o moderno. Esse embate atravessou séculos e influenciou muitos aspectos da sociedade brasileira. O país só conseguiu avançar quando o novo foi capaz de sobrepujar o antigo, deslocando os interesses arraigados nos aparelhos do Estado. Exemplos notáveis dessa transformação foram a derrocada da oligarquia cafeeira e o fim da República Velha, que impulsionaram o Brasil em direção à industrialização e à modernidade durante os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

E a História tem suas ironias. O golpe de 1964, embora tenha surgido como uma reação às reformas de base, acabou promovendo uma espécie de “modernização conservadora”, conferindo ao Estado uma mínima racionalidade e capacidade de planejamento. Mas sua essência de ser um depositário de interesses patrimonialistas e corporativistas permaneceu inalterada. Posteriormente, a promulgação da Constituição Cidadã em 1988 representou um marco significativo em direção à contemporaneidade. Ela consagrou direitos sociais, estabeleceu um ordenamento democrático e criou condições propícias para o pleno funcionamento de instituições republicanas permanentes, como o Ministério Público e a Polícia Federal. O que foi semeado em 1988 agora mostra sua eficácia e se torna o embrião de um Estado Moderno em contraposição ao Estado patrimonialista.

A luta entre o arcaico e o moderno não cessou. Nos anos 90, essa disputa se deslocou para a esfera econômica. Naquela época, era imperativo deixar para trás a espiral inflacionária, modernizar e reestruturar o sistema financeiro, controlar os gastos públicos, acabar com os cartórios e criar regras estáveis que fortalecessem uma economia aberta e de mercado.

O governo de Fernando Henrique Cardoso foi bem-sucedido nessa modernização, especialmente para promover a modernização econômica. Ele conseguiu proteger áreas estratégicas como a Educação ou a Saúde contra práticas predatórias e aliados vorazes. Além disso, deu um grande passo rumo à modernidade ao criar agências reguladoras.

No entanto, a continuidade desse processo de modernização foi interrompida nos governos de Lula e Dilma, que promoveram o ressurgimento do arcaísmo. Mecanismos de Estado permanentes, como as agências reguladoras, perderam relevância, enquanto o governo se tornou hipertrofiado. Instituições de excelência, como o Itamaraty, foram negligenciadas, sem mencionar a instrumentalização de entidades como o BNDES e empresas públicas como a Petrobrás. A responsabilidade fiscal foi abandonada.

É herança destes tempos a aliança entre um projeto de poder, o patrimonialismo político e um capitalismo parasitário que se acostumou a se beneficiar das benesses do Estado, resistindo ao risco e à livre concorrência.

Vale ressaltar que os responsáveis pelo desvio de recursos públicos agiram como se ainda estivessem na era analógica, deixando rastros por todos os lados. Enquanto isso, as instituições de investigação avançaram para a era digital, tornando-se capacitadas e qualificadas para cumprir seu papel em um Estado de Direito.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, o arcaico se manifestou por meio de posicionamentos e políticas públicas que geraram retrocessos nos direitos humanos, especialmente no que diz respeito a minorias e grupos vulneráveis. Além disso, houve críticas relacionadas à violação de princípios fundamentais de igualdade e não discriminação. Outro ponto muito debatido foi a flexibilização das normas de proteção ambiental, com o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e adoção de uma retórica contrária à preservação do meio ambiente e ao combate às mudanças climáticas.

Também houve questionamentos quanto às atitudes, nos moldes do passado e hostis, em relação a jornalistas e meios de comunicação independentes, além de tentativas para controlar e descredibilizar a imprensa. Na área da cultura, foram realizados cortes orçamentários e uma política de terra arrasada (a Fundação Palmares que o diga). Na educação o atraso aconteceu com a adoção de medidas contrárias aos avanços alcançados anteriormente, incluindo mudanças na abordagem das questões de gênero nas escolas.

Hoje estamos vivendo mais uma fase importante no confronto entre o arcaico e o moderno. E o arcaico ainda detém hegemonia, com os poderes se mantendo alheios aos anseios da sociedade. A rejeição pela sociedade brasileira a esse modelo do toma-lá-dá-cá e à institucionalização do balcão de negócios é profunda. Existe uma crise de representatividade que os partidos políticos ainda não conseguiram compreender em sua totalidade.

Também é ilusório pensar que o governo representa o moderno e a oposição representa o arcaico. Essa visão simplista não corresponde à realidade. Nada é mais arcaico do que um discurso incoerente e alianças casuísticas que contradizem valores éticos.

Embora o antigo ainda não tenha sido superado e o novo ainda não tenha surgido plenamente, é positivo o fato de que a forma engessada de fazer política e negócios por parte de setores empresariais encontra obstáculos nas ações das instituições republicanas, que apontam para um horizonte mais promissor.

A peleja entre o arcaico e o moderno é uma constante na história política do Brasil. Desde a superação da oligarquia cafeeira e a consolidação da República até os desafios enfrentados atualmente, o embate entre idéias ultrapassadas e visões progressistas moldou a trajetória do país. A modernização do Estado, das instituições e da economia é essencial para o avanço da sociedade brasileira.

Neste momento, é necessário reconhecer a importância de fortalecer as instituições republicanas, promover a transparência, a ética e a responsabilidade fiscal. Somente assim poderemos superar os resquícios do arcaico e consolidar um Estado moderno, comprometido com o bem-estar e o desenvolvimento do povo brasileiro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/7/2023. 

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