Ora, o idoso vai ter que exercer a arte do transformismo para garantir o seu direito de ir e vir. Terá que vencer a repressão dos filhos, adoráveis, mas com excesso de zelo. Veja só. Até poucos anos atrás, tendo abandonado (compulsoriamente) o volante de um carro, pegava seu ônibus, depois o metrô, e atendia a seus compromissos.
Foi assim que chegou à noite de autógrafos de Fernando Portela, e a de Mário Marinho, em datas e locais diferentes da Avenida Paulista (no caso de Marinho, a chuva o surpreendeu ao sair do metrô; mas lá estava um camelô, que lhe vendeu um guarda-chuva). Nada faltava…
Passados dois anos de covid, acrescentados à idade, entrou em cena o octogenário. Agora é que não sai mesmo de casa sem estar no carro dos filhos, que, justiça se faça, o atendem prontamente em tudo o que queira.
A menor das ameaças para tanto cuidado: roubo do celular. Para isso, me ocorreu uma ideia singular. Criar o bolso de cueca. Depois descobri que já existe um bolso desses, mas só para dinheiro e documentos. O meu, é, portanto, inédito. Vou lendo no metrô, e na hora e na agitação de descer, discretamente guardo o aparelho nele. Saio para a rua tranquilo, o ladrão passará batido…
A maior das ameaças: assalto. Os meliantes vão se aproveitar da fragilidade de um velho e atacá-lo. Não entreguei os pontos. Elaborei minha estratégia: tiro a barba, branca, e tinjo meus cabelos idem com vistoso acaju. Roupa: dispenso a calça de moletom e pego meu velho e gasto jeans. Operando a tesoura, faço vários rasgos, como os jovens usam hoje.
Escolhi então uma camisa chumbrega, e um tênis gasto. Como faço caminhada, recomendação médica, ando pelas ruas com certa desenvoltura. Os malfeitores verão passar um jovem, pobre. Nada que os interesse.
Falta, é verdade, convencer os filhos. Mas tenho pensado em encontrar com meu amigo Paulo Leite, ás de objetivas e lentes, como fizemos antes da pandemia. Cada um desceu do seu metrô no Largo São Bento. Caminhamos um pouco, falamos dos bons tempos do Jornal da Tarde, e almoçamos em um quilo.
Agora, poderíamos repetir o feito, devidamente caracterizados. Meu único medo é que não reconheçamos um ao outro, e acabemos almoçando sozinhos.
Tenho desenvolvido, também, um projeto para me livrar do transporte público. É chegar em casa, com o fato consumado. A família:
— O que é isso?
O idoso:
— Minha lambreta.
Beleza de texto. Saudade do Valdir a nossa Fada Loira
Olá, Lombardi!
A Fada Loira de vez em quando dá as caras por aqui. Dê uma passada pelo site de vez em quando…
Um abraço!
Sérgio