Lendas marcianas

Estava pensando sobre os futuros julgamentos dos golpistas de 8/1 quando me lembrei (velho sempre se lembra das coisas muito tempo depois) que meu amigo marciano prometera em dezembro passado levar para Marte os acampados aloprados e, de quebra, os respectivos QGs do Exército em frente aos quais se aglomeravam país afora. 

– Levei sim, não viu não que eles sumiram? E estão fazendo o maior sucesso lá. 

– Mas que eu saiba eles estavam, e muito ainda estão, na Papuda – afirmei, cheio de vento. 

– As cópias deles estão na Papuda, os originais estão em Marte! – respondeu enfático. 

– Como assim as cópias?! O que é que você fez com eles? – indaguei, assustado. 

– Meu caro, você não sabe que aqui é tudo cópia? E os originais ficam em Marte e outros planetas? Não, pela sua cara já vi que não sabe. 

Ante o meu espanto, e recolhendo meu queixo que tinha caído no chão, o marciano seguiu em frente: 

– Eu não entendo como é que vocês conseguem viver nessa ignorância. Nunca ouviram falar de Sócrates? Não o jogador de futebol inesquecível, mas o filósofo grego memorável? 

– Sim, estudei no colégio e na faculdade – balbuciei entre dentes, tentando recolocar o queixo no lugar. 

– Então, o mundo da Terra é uma cópia do mundo das idéias de Sócrates, eternizadas por Platão, que foi seu discípulo e escreveu tudo preto no branco, porque Sócrates não escrevia nada do que falava. Pensava e falava tanto que não tinha tempo de escrever. 

– Mas se fosse assim deveríamos ter um mundo bom aqui na Terra e não essa porcaria que a gente vê por aí – argumentei, de mau humor, mas já com o queixo no lugar. 

– Sim, você tem razão. A cópia é muito ruim mesmo. A impressora 3D de vocês está com problema. Mas o original é uma beleza. 

– Os golpistas são uma beleza? – balbuciei, engasgando-me até ficar vermelho como um tomate. 

– Peraí, vamos devagar. O original é uma beleza no sentido da veracidade irrefutável, não dá pra enganar ninguém, é aquilo ali e papum, não tem erro. Entendeu? 

– Ah, entendi – balbuciei com a garganta apertada por um torniquete. 

– Beleza! – ele respondeu, parece que gozando da minha cara. 

– E o que é que vocês fizeram com eles? – perguntei, já mais recuperado das idéias. 

– Bom, a idéia inicial era levar todo mundo para o zoológico e cobrar ingresso. Mas não deu certo. 

– E por quê? 

– Porque a bicharada não gostou deles. Os elefantes ficaram trombudos e começaram a berrar, os leões a rugir, os lobos a uivar, os crocodilos a rabear e bater os dentes, as hienas a gargalhar sem parar…

– Putz!!! E aí? Fizeram o quê? 

– Levamos eles para um circo. 

– É mesmo?

– Estão fazendo o maior sucesso. Lembra daquele bolsonarista grudado no pára-brisa do caminhão? 

– Claro, como esquecer… 

– Pois é, ele fica pendurado num trapézio com o caminhão colado nas costas indo pra lá e pra cá, cada vez mais rápido até despencar de traseira lá do alto sobre a rede de proteção. Aí vai bolsonarista prum lado, caminhão de papelão espatifado para o outro e a criançada grita alucinada pedindo bis. 

– Conta outra! 

– Lembra daquela roda de malucos e malucas em Porto Alegre jogando luzinha do celular da testa para o espaço sideral chamando os ETs? 

– Sim, como esquecer…

– Pois é, fazem um sucesso retumbante. O circo quase vem abaixo. Da última vez os ETs apareceram. 

– E aí? – perguntei, balbuciando novamente.

– Levaram eles! 

– Pra onde? – perguntei com um fiapo de voz que sobrou. 

– Para Júpiter, que fica logo ali. Mas devolveram um mês depois. 

– Putz, ainda bem…

– Ficou preocupado? Não fica, não. Eles estão adorando. Acham que são heróis. Agora querem ir para Saturno, que também fica logo alllllliiii. 

– E vão? 

– Claro, na boa. Combinamos que cada planeta de ET pode ficar com eles por um mês. 

– E com os QGs, o que é que vocês fizeram? 

– Esses nós deixamos no Zoológico. 

– Putz, mas e a bicharada? 

– Rugindo, rosnando, rabeando e gargalhando como sempre. Estão apavorados! 

– Os bichos? 

– Não, os milicos! 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e e vagao nas horas vagas. 

18/5/2023