Sim, estou rico. Tenho quatro cenouras no gavetão da minha geladeira. E tem mais. Uma berinjela e uma bandejinha de quiabos. Beleza, né? Mas já fui mais rico. Até ontem havia uma batata doce e até anteontem duas beterrabas. Comi-as ontem e anteontem. E até o fim da semana vou ficar um pouco menos rico, pois hoje programei para o almoço uma cenoura ralada e amanhã vai embora a metade dos quiabos.
Alguém pode achar que comer a metade dos quiabos de uma vez só é um exagero. Concordo. Capaz de dar uma indigestão. Mas é que eu resolvi convidar uns amigos para o almoço. Amigos que eu não vejo há muito tempo, era preciso fazer alguma coisa especial. Então vamos ter quiabos sapecados na frigideira, servidos com um fiozinho de azeite de oliva que eu estou guardando no fundo da garrafa desde antes da pandemia. Uma relíquia.
Sorte é que um dos amigos vai trazer tilápias. Ele não comprou pelos olhos da cara. Pescou. No sítio dele tem um riozinho que passa nos fundos. As tilápias ficam se refestelando numa prainha formada pelo riacho e são muito fáceis de pescar. Meu amigo tem mais sorte e inteligência do que eu: planta no sítio uma horta que tem de tudo, cenoura, berinjela, abacaxi, maracujá, tudo coisa que está pela hora da morte na feira. E tem também uns porquinhos e umas galinhas. Podre de rico!
Estou pensando seriamente em comprar um sítio para plantar minha horta e criar umas galinhas. Um feirante que é meu freguês na feira ao lado do prédio em que eu moro, em Londrina, norte do Paraná, disse que compra tudo que eu plantar. Baita negócio. Vou começar a juntar o dinheiro mês que vem, mas não sei se vou conseguir o necessário em vida. O preço da terra disparou. Quem tem não vende nem por nossa senhora. Só tem à venda fazenda de R$ 50, R$ 80, R$ 100 milhões! Deve ser de gente que está pendurada no misterioso e propalado sucesso do agronegócio. Se é um sucesso, por que estão vendendo a galinha dos ovos de ouro?
Li que o Brasil está bombando na bolsa de Chicago, que como todo mundo sabe é a bolsa que dita os preços das commodities agrícolas para todo o mundo. Tem alguma coisa errada. Acho que o agronegócio brasileiro é um voo de galinha, e tem gente graúda que já sabe disso e está querendo passar adiante o abacaxi antes que azede. Os chineses estão plantando que nem loucos na África. Do que jeito que vai, vão transformar o continente inteiro numa despensa da China. E não vai ter para mais ninguém.
Mas voltando para a minha geladeira, minha mulher voltou agorinha mesmo do supermercado e adicionou às nossas reservas um pacote de maçãs pequeninas, ótimas para fazer geleia. E já o fez. Ela é rápida no gatilho. Eu nem tinha terminado de escrever e ela veio aqui no computador com uma colher bem cheia da iguaria para eu provar e aprovar. Experimentei a pontinha, aprovei e abocanhei o resto. “Pombas – ela protestou – não deixou nada pra mim”.
É o que dá ser rico e esganado.
Quando chegarem as tilápias, ninguém me segura!
Abril de 2022
Nelson Merlin é jornalista aposentado e comilão.