Nada como um dia depois do outro, dizia minha mãe, uma eterna recitadora de frases da sabedoria popular.
Tudo depende do contexto, exemplificou, de forma muito mais elaborada, Michelangelo Antonioni, em uma sequência genial, literalmente genial de Blow Up – a que mostra um show de rock, uma guitarra quebrada, a multidão em absoluto transe, total delírio, centenas de jovens se estapeando para tentar conseguir um pedaço da guitarra. Para, um minuto depois de sair da casa noturna e do ambiente ensandecido, o personagem jogar fora, no passeio, o braço da guitarra.
Ali na rua, aquilo que foi objeto de disputa cega, de histeria coletiva, já não valia mais coisa alguma.
Um sujeito vem caminhando, vê aquele braço de guitarra sujando o chão e dá nele um pontapé.
Vivi hoje uma pequena experiência que me fez lembrar as duas coisas – o dito popular que minha mãe repetia para os filhos e a sequência brilhante da obra-prima antonionesca.
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Exatos 15 dias atrás, tinha passado três horas à espera de que Marina fosse vacinada, numa clínica particular aqui do bairro, contra a gripe que já matou mais de 70 pessoas no Estado de São Paulo. Como estava no trabalho, minha filha precisou contar com a ajuda da Cláudia, da Mary e minha para acompanharmos a pequena na espera. Cláudia enfrentou a pior parte – ficar na fila dentro da clínica, num calor nigeriano, em meio à barulheira ensurdecedora de dezenas e dezenas e dezenas de crianças e adultos . E assim nossa participação – entreter Marina durante a espera – foi suave, e tornada bem leve pelo fato de ela ser uma criança abençoada, iluminada, e ter ficado numa boa durante 99% do tempo de espera.
Hoje, peguei o ônibus ali a uma quadra de casa, desci na Dr. Arnaldo, caminhei uma quadra, entrei na área da Faculdade de Saúde Pública da USP, onde há um posto de saúde que fazia a vacinação contra a gripe.
Minha intenção era xeretar, sondar, ver como estava o clima, de quanto tempo era a espera, para decidir se voltaria lá ainda esta semana, ou se deixaria para a outra.
Menos de cinco minutos depois de ter chegado, já estava saindo – vacinado. Sem ter gasto um real, e tendo sido muito bem tratado tanto pelas funcionárias que faziam a recepção quanto a que aplicava a vacina.
Menos de cinco minutos. Indolor, de graça.
Mary estava chegando, vinda da região da Paulista. Nos encontramos naqueles jardins de beleza inacreditável, e fomos dar nossa caminhada que tem sido cada vez mais rotineira.
A mesma vacina – mas tudo depende do contexto.
Nada como um dia depois do outro.
O que me faz lembrar (which reminds me…, como diz a canção dos Cowboy Junkies) que preciso rever Blow Up.
13/4/2016
O bom texto do Sérgio nos remete ao inesquecível filme do Antonioni onde o cineasta em várias cenas faz alusão ao imaginário. A cena final antológica da partida de tênis com bola imaginária retrata bem a possibilidade de enxergarmos àquilo que consideramos inexistente.
Sérgio em outro texto me afirmou que não existe almoço grátis.
Qual minha surpresa ao constatar que o bom velhinho tomou sua vacina, de grátis, em serviço público.
Uma amiga coxinha de Curitiba preferiu pagar 100 reais por uma dose no laboratório da Unimed.
Imaginem! Público e privado.
E.T. ao ZéLuiz respondo a provocação em outro comentário.
RESPEITO AOS IMBECIS.
Sou um imbecil útil. Convencido da minha utilidade representada pelo direito cidadão ao voto exerci este direito. Não fui ausente e não anulei. Imbecilmente exerci o meu democrático direito. Meu voto legitimou a presidenta. Não era minha escolha, não representava meu pensamento, mas a regra do jogo não me deixou alternativa, ou isto, ou aquilo. A escolha por isto se deu em respeito àqueles que caminhavam pela rua à esquerda, os nomes dos andarilhos me impressionam até hoje pelas idéias que expõem parecidas às minhas. Nomes de artistas como Marieta Severo, Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola, políticos como Eduardo Matarazzo Suplicy de Lacerda, Francisco Alencar, Marcelo Freixo, Dr. Rosinha, parentes amados como Maria de Lourdes Fernandes Jorge, João Fernandes Jorge, Mariana Fernandes, Clarisse Martins, Zaira Milne, Rita de Cássia Cipriano, Helena Teixeira Jorge, jovens como Ylana e Niger Santos, amigos como José Renato Cruz Neves, Eduardo Valentim Mendes, Paulo César Ferreira de Araújo, Carlos Luis dos Santos, Paulo Sérgio da Costa Martins, Flávio Graciano, Geraldo Roberto Corrêa Vaz da Silva, Nélson Imoto, Antônio Weinhardt, as eternas meninas Rose, Tânia e Rosana, Cláudia Stremel, André Vaz, os petistas militantes como Dari Krein, Cid Cordeiro, Ligia Mendonça, Maria Lúcia da Silveira, Silvio Miranda, Olavo, Pedro Chaves, Carlinhos Gomes, Maérlio Ceará e outras respeitáveis dezenas, jornalistas como Juca Kfouri, Eduardo Gomes (Tostão), Alberto Dines, Leonardo Sakamoto, pensadores como Boaventura de Souza Santos, José Saramago, Eric Hobsbawm(+), David Graeber, Noam Chomski, ativistas como Guilherme Boulos, João Pedro Stédile, cleros como Leonardo Boff, Frei Beto, outros nomes não citados por culpa da senilidade servil. Nomes que me acompanham na caminhada no lado esquerdo da rua em direção a uma sociedade justa pela busca da igualdade. Em sentido contrário, à esquerda de quem vem, muitos nomes que outrora caminhavam do meu lado, mudaram de curso, não de via, retrocederam e se postaram do outro lado da via. Esta via tem pedágio, o governo. Quem chegar ao pedágio terá que administrar os dois lados, dos que chegaram e aos que chegarão. Coerente com àqueles que caminhavam e ainda caminham do meu lado da via, concedi meu voto imbecil, acreditando ter feito meu papel. Incoerente com meu anarquismo, não anulei, votei naquela que parecia pouco pior e referendada por aqueles que em romaria seguiam mesmo rumo. Minha escolha mostrou-se incompetente, legitimamente incompetente destaco. Do outro lado da rua que a minha ótica identifica como direita, quer impeachment da presidenta, querem segundo seus aliados destituí-la através de um golpe, que nada mais nada menos deve ser encarado como uma rasteira. No meu prosaico julgamento, trata-se de uma violência contra meu imbecil voto. Cassam um direito, meu, único direito de cidadão. Pelo voto teria direito de me retratar através de um plebiscito ou mesmo uma nova eleição. O resultado do impeachment, do golpe, da rasteira, seja lá o que for não destituem um governo desastroso, violenta a mim, meu direito imbecil que egoisticamente quero ver respeitado. Um direito imbecil que ameniza meu desprezo e ódio às instituições e que me faz, bem ou mal, respeitá-las. Sem respeito aos imbecis, perigam as instituições hipocritamente chamadas de democráticas.
FÁBRICA DOS SONHOS
Admite-se sonhadores:
não precisa ter curso superior, mas elevado, em qualquer grau
pouco importa a idade, mas tem que ter a alegria de uma criança
Experiência em PAZ e Harmonia
Disposição pra lutar
2 fotos 3×4 Sorrindo ou gargalhando
Não aceitamos cópia do coração, só o original
Tem que saber amar, beijar e abraçar
Noções de contabilidade (tem que contar estrelas)
Boa aparência: despido de qualquer preconceito
Tem que gostar de poesia escrita, falada e vivida
nem precisa saber rimar
pode ser triste, fraco, mas sem covardia
horário: da hora que quiser até a hora que tiver afim
Sexta-básica todos os dias
ticket-amizade
plano de saúde espiritual
e vale-teletransporte
*se tiver essas qualidades, não precisa enviar currículo, a gente te acha
SERGIO VAZ, o poeta
Porque há os camaradas inteligentes
que escondem a faca entre os dentes
que diplomados em calúnia
uivam quando parecem miar
e alfabetizados na cartilha do poder,
apagam suas palavras
reescreve suas ideias
até você não ter mais o que falar.
…plagiando um poeta.