A cínica explicação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, sobre suas contas na Suíça é mais fervura no caldeirão, fermenta a crise ética e eleva sua temperatura ao infinito.
Se não houver uma resposta positiva e democrática do mundo da política, ele transbordará em cima das instituições republicanas, queimando tudo e todos.
Arma-se um cenário extremamente preocupante, de convulsão social, de descrença absoluta no Parlamento e no Poder Executivo, de namoro por segmentos da sociedade, por enquanto minoritários, com saídas antidemocráticas. É aí que mora o perigo.
A bomba está sendo ativada. Só não a enxerga quem não quer. A greve dos caminhoneiros é mais lenha na fogueira. Brincam com fogo os que insuflam esse movimento paredista, na crença de que por aí vão colocar abaixo o governo Dilma Rousseff.
Diante do colapso moral, setores da classe média vêem nas Forças Armadas a instituição salvadora, como assim enxergaram em 1964. Artigo do general exército, ex-chefe do Estado Maior do Ministério da Defesa, Rômulo Bini Pereira, publicado em jornal de circulação nacional, dá bem uma idéia dessas pressões e do quanto a preocupação com “a decadência moral e ética” já perpassa o meio castrense – da ativa ou da reserva.
Não há, claro, condições internas e externas para intervenção militar. Nem as Forças Armadas parecem querer isso. Mas essa história é como a das bruxas: não cremos nelas, mas vai que elas existam. Sendo assim, urge fazer de tudo para esfriar a temperatura da bruxaria.
A questão chave é o resgate da ética como bandeira republicana indissolúvel da democracia. Todas as vezes que ela saiu das mãos democráticas, o país perdeu.
Impensável supor que será resgatada pelo lulo-petismo. Quando se erigiu em poder, o Partido dos Trabalhadores rifou essa bandeira, pautou-se por um estranho código de ética, no qual a causa justifica tudo, e fez do cinismo um instrumento de se fazer política.
Eduardo Cunha foi beber nessa fonte para vender sua mixórdia no Jornal Nacional.
No dia 16 de julho de 2005 a nação assistiu, estupefata, à entrevista de Delúbio Soares ao JN da Globo, na qual o então tesoureiro do PT veio com aquela versão fantasiosa dos “recursos não contabilizados” para eludir o até então maior escândalo da história recente do país; o mensalão.
Como o Cunha de hoje, Delúbio estava orientado pela banca de advogados para mentir, inventar uma história tão inverossímil como a contada por Eduardo Cunha ao vivo e a cores. Incrível, dez anos depois estamos assistindo ao mesmo filme, com o agravante de que não sabemos qual será o seu final. Se será ou não mais uma tragédia para o país.
Se não há nada a se esperar do governo e do PT em matéria de resgate dos valores republicanos (ao contrário, a tendência é a continuidade do pacto de “proteção mútua” entre a presidência da República e o presidente da Câmara Federal), das oposições exige-se uma postura diferente.
No seu nascedouro, a social-democracia selou compromissos com a probidade, com o zelo pela coisa pública, com a ética. Aliás, o saudoso Mário Covas se reelegeu governador em 1998 com uma campanha claramente norteada por esses valores. Tem, portanto, capital moral para construir e liderar uma saída positiva capaz de resgatar o apreço dos brasileiros pela democracia e suas instituições.
Basta entender que os fins não justificam os meios, que nada, absolutamente nada, justifica aliança, tácita ou não, com Eduardo Cunha. E que os problemas da democracia se resolvem com mais democracia.
Só desta forma se pode evitar a explosão do caldeirão.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 11/11/2015.
Caso os que brincam com fogo, explodam o caldeirão, quais seriam as consequências? Quem ganha e quem perde? A zelite ou o populacho? As oligarquias nunca perderam.