Na altura, roubava-se. Johnny Hyde roubou Marilyn Monroe a outro agente que nem desatava nem saía de cima.
Foi Marilyn quem se pôs nas mãos de Hyde. Pôs-lhe nas mãos a nua perna direita. Hyde gozava as delícias epicuristas de 1947, no Racquet Club, em Palm Springs, e ouviu um loiríssimo grito vindo da piscina. Uma cãibra devastava a perna de Marilyn. Com estremecida caridade cristã, as mãos de Hyde pousaram na musculatura estriada desse longo pedaço de céu em sofrimento. Pousaram e queimaram-se. Em vez de uma perna, era a alma de Hyde a ser massajada, os seus inquietos 53 anos à beira da separação da mulher e filhos.
A cãibra de Marilyn era falsa. A incandescente paixão de Hyde, palpável embora, foi verdadeira. Seria tudo na vida dela: agente, confessor e amante. O que é que o esplendor de Marilyn via nesse baixote meio careca? Digo-vos: deitavam-se nus na mesma cama e era com o pai, que nunca tivera, que ela se deitava. Incesto atenuado: rejeitou casar com ele.
Hyde era o único em Hollywood que via o mito escondido em Marilyn. “Loiras boas, compro-as ao cêntimo no Farmer’s Market”, dizia-lhe o grande boss Jack Warner. Hyde não desistiu. Corrigiu-lhe um defeito no nariz, assegurou-lhe a simetria do rosto, comprou-lhe vestidos, chapéus, sapatos, colares. Não falei de lingerie? Não, não falarei.
Mas os filmes não andavam. Marilyn já andara num. Caminhara à frente de Groucho Marx, em “Love Happy”, com aqueles tensos movimentos ultradimensionais que levaram à invenção do osciloscópio. Caminhava e dizia: “Acho que vem um homem atrás de mim.” E quem é que não iria atrás dela, meia, uma boa hora?
Um dia, dançavam no Trocadero, Hyde um palmo abaixo de Marilyn. Dançava também John Huston, com uma loiraça, que a cruel história deu de esmola ao esquecimento. Hyde valsou-lhes ao lado para mostrar Marilyn. Huston reparou. “Uma actriz maravilhosa”, disse o sincero Hyde. Huston, lambendo-a com os olhos como se fosse um travelling, foi categórico: “Com o equipamento que tem, nem precisa.” Era sábado. Na segunda, Marilyn estava no estúdio a filmar Asphalt Jungle.
Hyde tinha um sopro no coração. Na estreia de Asphalt Jungle, a aparição de Marilyn arrancou assobios machos e uivos de lobo na plateia. O coração de Hyde falhou de alegria. Teria sido perfeito, morrer logo ali. Morreu meio ano depois, a sentir-se Botticelli: também ele recriara Vénus.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
The Asphalt Jungle no Brasil é O Segredo das Jóias.