Atração fatal

A indignação que atos de repressão, cerceamento de liberdades, prisões arbitrárias e assassinatos por discordância a regimes autoritários provoca à maioria dos mortais parece pouco incomodar o governo do presidente Lula. O vexame de Cuba nesta semana foi só mais um exemplo.

A postura de Lula, impassível e mudo, submisso aos absurdos de Raúl Castro quando este acusava os Estados Unidos pela morte de Orlando Zapata Tamayo – mais uma entre as centenas de vítimas do regime cubano -, e as declarações levianas do assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia – “Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro” – traduzem tudo.

É o retrato do desatino da partidarização da política externa do Brasil, para arrepio de José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, formulador e patrono da até então tão consistente e respeitada diplomacia brasileira.

Antes de deixar a ilha, Lula até tentou dourar a pílula. Correu longe dos jornalistas de sua pátria e escolheu uma agência internacional de notícias (France Press) para lamentar a morte de Tamayo “por greve de fome”. E tergiversou quanto à responsabilidade do regime cubano, limitando-se a declarar que é um defensor dos direitos humanos.

Mas qual o quê.

O Itamaraty de Lula parece ter uma opção preferencial por todo o tipo de ditaduras. Defende como democráticos regimes travestidos como a Venezuela, que prende e arrebenta, fecha emissoras de rádio e TV, expatria e mantém na cadeia, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, pelo menos 40 presos políticos. Simplesmente porque ousaram criticar o governo “revolucionário” de Hugo Chávez.

Namora e afaga Irã, Sri Lanka, Coréia do Norte, Mianmar (ex-Birmânia) – um regime militar que se arrasta há 20 anos, condenado pela ONU por manter mais de dois mil presos de etnias minoritárias. A junta militar de Mianmar promete eleições para este ano e acena com a abertura de suas prisões. Mas até agora pouco fez. Tem libertado presos a conta-gotas, não marcou data para o pleito e criou regras que impedem a participação ampla nas eleições.

Ainda assim, Lula já aprovou e vai instalar lá uma embaixada brasileira, o que também deve acontecer na Coréia do Norte.

Mesmo com todas as provas de fraudes nas eleições do Irã, apressou-se em legitimar o governo de Mahmoud Ahmadinejad, recebido em solo brasileiro como chefe de Estado e, portanto, merecedor de visita de retribuição.

“Gesto de confiança” que, inexplicavelmente, não se tem com Honduras. O novo presidente hondurenho, Porfírio Lobo, eleito por sufrágio universal, só não foi reconhecido pelo eixo “bolivariano” liderado por Chávez (Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba), pelo México e pelo Brasil. Neste caso, talvez o Governo Lula só esteja dando tempo ao tempo para apagar a vergonha de ter sido constrangido por Chávez, permitindo que a embaixada brasileira de Tegucigalpa virasse residência e comitê político de resistência para Manoel Zelaya.

A boa vontade com regimes execráveis ultrapassa todos os limites, até o de se eximir sobre a condenação do sanguinário Sudão na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Uma omissão que corrobora com o genocídio de mais de 300 mil pessoas.

Pior ainda são os argumentos para justificar o injustificável. Com destreza impressionante, o governo Lula maltrata a inteligência dos brasileiros e tenta sempre inverter a lógica em seu favor. Assim como transformou corrupção – caixa 2 de campanha, aliciamento e compra de votos – em prática cotidiana, com um simples “todo mundo faz”, não vê problema algum na violação de direitos humanos, já que isso acontece “no mundo inteiro”.

Diante desse cenário, o patético espetáculo de tietagem explícita, em que o presidente e seu ministro de Comunicação Franklin Martins se comportam como ginasianos nas fotografias ao lado do ditador Fidel, é só mais um episódio da atração fatal que o governo Lula tem por regimes que prendem e matam gente que deles discorda.

Este artigo foi publicado originalmente no Blog do Noblat, em 28/2/2010.

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