Minha cidade em dois tempos

Era um simples vilarejo onde alguns moravam e outros passavam. Era um vale ao pé da montanha, a Serra do Curral. Desenharam aqui a capital republicana, cidade planejada, sonhada para ser perfeita. Operários a construíram: paredes, casas, ruas e avenidas. E foram morar na periferia. Funcionários públicos ocuparam os lugares nobres.

Capital, para aqui veio gente de todas as Minas, de todos os Gerais. Os visionários e os tradicionais. Os puritanos e os pecadores. Os medianos e os criadores.        

Síntese, mantém os pés na terra e voa alto com a mente aberta para o sonho, a arte, a liberdade. Entre pedras e águas nasceu a cidade da música e da poesia: Belo Horizonte.

Anoitece e a cidade não dorme, acordes e luzes ocupam todo o panorama.

A cidade é fonte de todas as músicas, de todas as vozes, de todas as possibilidades e ritmos. O pulsar dos corações mostra que as pessoas são diferentes mas têm um destino comum. A cidade é uma orquestra que precisa afinar seus instrumentos, amar seus instrumentistas.

Onde está o Maestro que virá transformar o caos em sinfonia? O problema e a solução não são de um, são de todos. A música de cada habitante constrói a harmonia possível, o Belo Horizonte.

O mundo visto da altura dos meus nove anos, quando eu pus pela primeira vez meus pés em Belo Horizonte, era muito grande. Aquela cidade cheia de prédios enormes, bondes que levavam multidões pelos caminhos de trilhos, foi um espanto para meus pequenos olhos interioranos. Tinha deixado para trás uma dezena de amigos e uma vida folgada, subindo e descendo ladeiras da minha Diamantina. Eu perdera alguma coisa e ainda não tinha noção do que iria ganhar em troca. Meu destino, eu ainda não sabia, se enriqueceria muito enquanto eu crescesse embalado e protegido pelos braços da Serra do Curral.

Eu me envolvi logo com essa capital montanhesa. Fiz amigos com a rapidez própria de meninos. Descobri que primos serviam para a convivência diária.

Não eram apenas companheiros de brincadeiras de férias.

O primeiro final de ano que por aqui passei me encontrou senhor absoluto do terreno. Além dos estudos, naturalmente, vivia jogando bola no meio de ruas, que eram mais de gente do que de carro, e trepado nas árvores que esverdeavam a cidade.

O apogeu do meu amor por minha cidade veio com o Natal na casa de meu avô. Ele já tinha morrido, mas todos os tios e primos se reuniam ali na noite de 24 de Dezembro. Geralmente chovia, essa a impressão que me ficou. Brincar pela primeira vez com as novidades, que desembrulhávamos com excitação, era melhor do que beber guaraná champagne. 

 Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas

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