Escuridão

Na quarta-feira, 28, um apagão de grandes proporções deixou nove estados do Nordeste sem energia por algumas horas. O ministro Edson Lobão correu para informar que uma queimada em Canto do Buriti, no Piauí, tinha derrubado o sistema de transmissão. A versão não durou nem mesmo um dia. Foi contestada pelo Ibama-PI, que não enxergou nas imagens de satélite incêndio capaz de provocar tal dano.

Foi o nono apagão do governo Dilma Rousseff. Mais um sem explicação convincente.

À noite, outro apagão – desta vez moral – afundava a Câmara dos Deputados em trevas ainda mais profundas. Ali, com a anuência de 131 votos, 41 abstenções e 104 ausências, preservou-se o mandato do deputado Natan Donadon (RO), condenado a quase 13 anos de prisão.

O parlamentar, que pouco antes da votação chegara algemado, vindo da Papuda direto para a tribuna, quase não acreditou no desfecho. Para reverter o dano, tenta-se agora jogar luzes sobre o fim do voto secreto, tema reincidente sempre que a Câmara absolve um dos seus. Mas que, rapidamente, se apaga.

O País assistiu ainda a mais um apagão na diplomacia petista, que começou no domingo e se arrastou durante toda a semana, sem ao menos uma lamparina para clareá-lo.

Desde que o PT chegou ao poder com o presidente Lula, o Itamaraty se ideologizou. A ponto de se ajoelhar diante do presidente Evo Morales, não por uma vez, mas por várias. Quer na expropriação da Petrobrás, quer na prisão, por meses a fio, de torcedores corintianos, ou na consentida enrolação de não conceder salvo conduto ao senador oposicionista Roger Pinto Molina, confinado há um ano e meio na embaixada brasileira de La Paz.

Poderosa diante da leniência brasileira, a Bolívia aproveita-se da cegueira e joga o seu jogo. Ao mesmo tempo em que denuncia a fuga do senador à Interpol, Evo arvora-se em ameaças – “nenhum governo pode encobrir ou defender corruptos”. E, sorridente, garante à presidente Dilma Rousseff, que o episódio não afetará as relações bilaterais Bolívia-Brasil. Nessa ordem.

Em 2012, o Inpe registrou 193.838 queimadas. Só em agosto deste ano foram 16.605. Ou bem o governo mentiu sobre as causas do apagão do Nordeste, ou corremos o risco de ter um sistema vagalume. Quanto à Câmara, essa, há tempos se autocondenou à escuridão.

 

Já as relações externas, Dilma acaba de entregá-las ao ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, o mesmo que antecipou que o Brasil não concederá asilo a médicos cubanos e que prefere ver o senador Molina noutras paragens. Quer que ele renove o pedido de asilo. Tudo indica que novos apagões virão.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1º/9/2013.

Um comentário para “Escuridão”

  1. CLARIDÃO

    Não obstante, dada a amplitude dos desarranjos, parece inevitável reconhecer que a questão central é de liderança. Não digo isso para acusar uma pessoa (sempre o mais fácil é culpar o presidente ou o governo) ou algum partido especificamente, embora seja possível identificar responsabilidades.

    Mas é de justiça reconhecer que o desencontro, o bater de cabeças dentro e entre os partidos, faz mais zoeira do que gera caminhos. Daí que termine com uma pergunta ingênua: será que não dá para um mea culpa coletivo e tentar, mantendo as diferenças políticas, e mesmo ideológicas, perceber que quando o barco afunda vamos todos juntos, governo e oposição, empregados e empregadores, os que estão no leme e os que estão acomodados na popa?

    É preciso grandeza para colocar os interesses de longo prazo do povo e do país acima das desavenças e pactuar algumas reformas (poucas, não muitas, parciais, não globais) capazes de criar um horizonte melhor, começando pela partidário-eleitoral (já que o ucasse presidencial nessa matéria não deu certo, como não poderia dar).

    Se os que estão à frente do governo não têm a visão ou a força necessária para falar com e pelo País, pelo menos a oposição poderia desde já cessar as rixas internas a cada partido e limar as diferenças entre os partidos. Só assim, formando um bloco confiável, com visão estratégica e capaz de seguir caminhos práticos, construiremos uma sociedade mais próspera, decente e equânime.

    Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, é ex-presidente da República

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