Menino da mamã

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O des­mame não foi fácil. A Gary Coo­per não lhe fal­tava muito para os dois metros e não lhe fal­tava nada para ser o homem mais bonito de Hollywood. Ainda assim, era um menino da mamã. Alice Coo­per, mãe gali­nha, aplicou-lhe um valente e aus­tero pro­grama de ajus­ta­mento ou donde é que jul­gam que vêm o estoi­cismo e os estar­re­ce­do­res silên­cios de Ser­ge­ant York e de Meet John Doe?

Não sei se é natu­ral que uma mãe de ferro enfer­ruje. Sei que, se falha­vam as dobra­di­ças à mãe­zi­nha, Coo­per escapava-se. Com Clara Bow teve um affaire que os bió­gra­fos clas­si­fi­cam de “alto per­fil”, expres­são que peço o favor de inter­pre­ta­rem com toda a liber­dade. Ah, e tinha uma certa queda para as cató­li­cas. Havia de se casar com uma, convertendo-se ele mesmo. Antes, ao encon­trar a mexi­cana Lupe Velez, edu­cada num con­vento de frei­ras, ó Jesus, Maria, José, não houve cá pecado mora ao lado – mora­ram os dois num incên­dio pegado que não se apa­gava por mais que a mãe lhes ati­rasse, e ati­rou, com bal­des de água fria. Lupe não era menina de faca na liga, era de faca na mão, e Coo­per guar­dou para o resto da vida mais de dois pares de cicatrizes.

De 1925 a 31, Coo­per fez 28 fil­mes. Tan­tos fil­mes e Lupe em cima deram um stress des­gra­çado ao menino de sua mãe. Alice, avi­sada, man­dou o filho para Roma. Acolheu-o a con­dessa di Frasso, ame­ri­cana rica, que casara pelo título nobi­liár­quico. Olhos azuis, uma boca grande e hedó­nica, nariz aven­tu­reiro capaz de se meter em todo o lado, a con­dessa cha­mou várias coi­sas a Gary Coo­per. Longe do olhar da mãe, Coo­per, estra­nhando embora a com­pla­cên­cia do conde di Frasso, ter-se-á engas­gado algu­mas vezes, mas res­pon­deu com galhardia.

A con­dessa lapidou-o. Pôs-lhe mais do que faca e garfo na mão. Ensinou-o a beber vinhos, a esco­lher uma gra­vata, a ves­tir o raio de um smo­king. E a con­vi­ver com prín­ci­pes que depois seriam reis. Se em Flo­rença, nos Uffizi, lhe mos­trou a Vénus de Urbino, ima­gino o que lhe terá mos­trado no Palá­cio dos Doges, em Veneza. A Coo­per, que só tinha Amé­rica, a con­dessa até África e safa­ris lhe deu. Só não pre­ci­sou de o ensi­nar a mon­tar, talento que o nas­ci­mento num ran­cho de Mon­tana lhe prodigalizara.

Fala-se muito do Actor’s Stu­dio e coisa e tal. Pois bem, o cinema deve tudo à con­dessa di Frasso (e alguma coisa ao mag­nâ­nimo conde). Fez de Coo­per melhor actor. Em Morocco, ao lado da Die­trich, no Design for a Living, de Lubitsch, ou quando foi arqui­tecto no Foun­tai­nhead, a sofis­ti­ca­ção de Coo­per vem do que, umas vezes num sus­surro, outras com estam­pido, a di Frasso lhe ensi­nou. “Gary Coo­per via­jou para a Europa na con­dessa di Frasso”, dizia-se nas noi­tes de veneno de Hollywood, com inveja da suave inti­mi­dade deles. Estava feito o des­mame: nenhum con­ser­va­tó­rio lhe teria dado tão boas lições.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meet John Doe no Brasil é Adorável Vagabundo. Design for a Living, Sócios no Amor. The Fountainhead, Vontade Indômita. Sargeant York e Marocco tiveram aqui títulos com a tradução literal.

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