As boas e as más meninas

zzzzzmarlene

Filha de nego­ci­an­tes ricos, menina mili­o­ná­ria da 5.ª Ave­nida, Dorothy Tay­lor, por aris­to­crata dis­trac­ção, casou-se com o conde Di Frasso, em Itália.

Ah, já em cró­nica ante­rior, por Gary Coo­per ser muito lá de casa, apre­sen­tei a con­dessa. Mas não foi só Coo­per. O gangs­ter Bugsy Sie­gel tam­bém foi homem lá de casa.

Bugsy era gangs­ter de Nova Ior­que e mandaram-no tomar conta de Hollywood. Amigo, o actor George Raft abriu-lhe dúzias de por­tas e o dobro das camas. Bugsy era um hand­some guy e, entre os finos len­çóis em que se alon­gou, deitou-se tam­bém nos da con­dessa, ascen­dendo, não pro­pri­a­mente a pulso, ao esta­tuto de parte da mobí­lia, na man­são de Hollywood, no iate dela, na Villa Madama de Roma.

Aqui, na Villa, o curso da His­tó­ria podia ter mudado. Uma noite, Mus­so­lini, um habi­tué, veio jan­tar e trouxe com ele outra emi­nên­cia parda, o raquí­tico Goeb­bels. Como qual­quer soci­o­pata, Bugsy tinha méri­tos, mas conhe­ci­men­tos de polí­tica inter­na­ci­o­nal não faziam parte da sua focada lista. “Quem é?”, per­gun­tou.

Esta­vam a vestir-se e, pre­ve­nindo incon­ve­ni­ên­cias ao jan­tar, a nossa con­dessa contou-lhe o que Goeb­bels dizia do povo eleito. Escu­sado será dizer que um fogo étnico se acen­deu no belo gangs­ter judeu que era Bugsy Sie­gel. Sacu­dindo a sua 38. Spe­cial, jurou que ia lá abaixo estoi­rar os mio­los da careca lus­trosa de Mus­so­lini e meter, a seguir, umas boas balas ame­ri­ca­nas na cabeça azei­teira do ale­mão até o chu­crute cere­bral dele se espar­ra­mar na mesa. Por uns segun­dos, a grande His­tó­ria do século XX esteve na ponta da pequena pis­tola do gangs­ter a que War­ren Beatty empres­ta­ria a cara e o corpo em Bugsy. Ainda esta­vam a vestir-se e Dorothy, a menina mili­o­ná­ria da 5ª Ave­nida, sos­se­gou o sem­pre em pé Bugsy com o que sem­pre o sos­se­gava. Má menina, impe­diu o curso da História.

Mesmo assim, a His­tó­ria do século XX podia ter sido dife­rente. Mar­lene Die­trich tinha as per­nas que tinha, a cara que tinha, aquela voz que mais nin­guém há-de ter. Já a ama­vam nessa Ber­lim de trans­gres­são e luxú­ria, res­tos da Repú­blica de Wei­mar que os nazis come­ça­vam a var­rer para debaixo da mesa. Pro­ta­go­ni­zara meia dúzia de fil­mes e eis que Stern­berg faz dela um anjo azul.

Terá sido no Blaue Engel que Hitler a viu? Inte­ressa é que a viu. E quis tê-la na cama. Que­ria que Mar­lene fosse a estrela do Ter­ceiro Reich e a almo­fada em que ele, Sieg­fried guer­reiro, repou­sa­ria a cabeça. Azul, o anjo negou-lhe as duas coisas.

Boa menina, Mar­lene disse a vida toda que se sen­tia um boca­di­nho cul­pada pela II Guerra. Acre­di­tava que podia ter mudado Hitler se o tivesse acei­tado na cama: “As minhas per­nas não são assim tão boas, acon­tece é que eu sei o que fazer com elas”, expli­cou.

Às vezes boas, às vezes más, tam­bém de meni­nas se faz e a meni­nas se des­faz a História.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

Sobre a foto do alto: Marlene, pernas em recato, numa festa da Condessa di Frasso, que fugiu da cena.

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