Encandearam-no os olhos dela. David O. Selznick, o mais poderoso produtor de Hollywood, era uma torrente de energia, poder e emoção. A cabeça, as mãos e os bolsos dele tinham feito Gone With the Wind. Trouxera Hitchcock para Hollywood como, mais tarde – já outra humanidade – se levaria Mourinho para o Chelsea ou Chamartin.
Phyllis Isley Walker, a rapariga que quando abria os olhos parecia ter na cara os máximos acesos de um Mercedes AMG SLS Black, viera para uma audição e, não demorou muito, entrava pela porta grande do estúdio. Podemos já vê-la a correr à volta da mesa de trabalho do produtor e um lúbrico DSK, perdão, DOS, a persegui-la.
Escusado perguntar porquê. Selznick era casado e amava a mulher, bela e inteligente, Irene, filha de Louis B. Mayer, dono da MGM. Mas como é que conseguia ter tempo?! A II Guerra à porta, ele a pensar alistar-se, um estúdio para comandar, nas mãos as carreiras de Vivien Leigh, que trouxera de Inglaterra, de Ingrid Bergman, que fora buscar à Suécia, de Joan Fontaine, que entregara a Hitchcock para ser Rebecca. Nem falo do álcool e do jogo no casino, em que esturricava milhões.
O que se sabe é que entrou nela e ela entrou nele. Uma obsessão, como tudo foi obsessão, no esplendoroso excesso que o teatro da vida era para Selznick. Talvez tenha começado por ser só um caso, como outros mil casos que lhe passaram pela cama. Mas Phyllis era de uma vulnerabilidade trágica a roçar o suicídio. E Selznick, chamemos-lhe por um instante David, era ultra-sensível ao trágico, ao grandeur operático.
Decidiu fazer dela a maior das actrizes. Maior do que a Bergman ou a Leigh. Mudou-lhe tudo: nome, vida, talentos. Chamou-lhe Jennifer Jones, pagou-lhe lições de representação, dança, até literatura. Primeiro, fê-la santa em Song of Bernardette, com visões da Virgem de Lourdes que valeram o Oscar. Depois, já Jennifer mexia bem as ancas, criou para ela um novo Gone With the Wind. Na paisagem épica do Arizona, entre cavalos e manadas de vacas, um comboio de milhões de dólares a arder naquele deserto, ofereceu-lhe Duel in the Sun.
De santa a puta. Poucas vezes o technicolor terá mostrado tão bem o conflito de corpo e alma. Quer ser pura como leite, diz ela, e o corpo, aquela carne morena, sempre a saltar do sossego, inquieta, vulcânica. Há uma cena de violação. Selznick pediu ao compositor, Dimitri Tiomkin, música orgástica. Ouviu, gostou muito, mas ainda não era aquilo. “It’s not the way I fuck”, disse-lhe. Tiomkin passou-se dos carretos e, no mesmo inglês que, soubesse eu o que era way, traduziria, disparou: “You fuck your way, I fuck my way. This is fucking music.”
Duel in the Sun é um hino sôfrego ao pecado em que, mais way, menos way, Selznick e Jones se devoraram. Depois casaram-se e foram infelizes.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.