Daqui a pouco ninguém mais terá a caligrafia de nossas mães. Aquelas letras claras e bem elaboradas contornando nossa admiração de filhos. Como desenhar as palavras como elas?, esse era o desafio. Na escola bem que tentávamos, diante do carinho e da paciência das professoras do primário.
Com o passar dos anos, muitos se tornavam médicos e advogados e adquiriam o esmero de garranchos ilegíveis. Decifrar receitas virou especialidade de farmacêutico. Conheci um juiz que chegava ao cúmulo de nem ele entender o que pretendia ter escrito. E eram poucas as vezes em que ele se dispunha a bater as sentenças em máquina de escrever. Um encanto de pessoa, de idéias liberais, mãos firmes e dóceis no decidir e inábeis no redigir.
Se era assim na era não digital, quando todos acabavam por ter de colocar suas escrituras no papel , o futuro nos reserva um oceano de rabisqueiras incompreensíveis quando as gerações da internet tiverem necessidade de gravar alguma coisa em documentos. Certamente estarão fora desse problema os que como a Clara, que se orgulha de saber escrever letras cursivas, têm um dom para o desenho e um controle motor admiráveis. Na verdade o que eu falo é hipótese que só o tempo comprovará ou não. O talento da nossa garotada, sinto, não tem limite.
Isso me leva a um a experiência que tive e tenho em meu convívio com as palavras. Comecei minha atividade escrevendo à mão, caneta ou lápis no papel. Depois, apesar de não dominar a técnica da datilografia, passei a utilizar também a máquina de escrever. Usava poucos dedos e olhava o tempo todo para o teclado. O compositor e cronista Antônio Maria é que dizia essa pérola: “escrevo com dois dedos e a minha vida inteira.”
Desde logo suspeitei que minha forma de escrever se alterava de acordo com o método de gravar as letras no papel. À mão, o texto vinha mais interiorizado, lento e mais pensado. Na máquina a coisa chegava mais solta, rápida, quase espontânea. O conteúdo que eu buscava eu obtinha de qualquer uma das maneiras, mas o estilo me parecia ser diferente.
Nunca comprovei essa impressão totalmente, mas esse sentimento ficou mais forte quando assumi o desafio de escrever no computador, essa que é a melhor máquina de escrever que poderiam ter inventado. A velocidade de transportar para a tela os pensamentos é incomparável com o duplo dedilhar das queridas máquinas Remington ou Facit.
Ficou mais fácil escrever mas, pelo que ando lendo por aí, todo cuidado é pouco. A facilidade, se não for casada com um seguro refletir, pode gerar muita besteira.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em maio de 2013.
Imaginem, só de brincadeira, uma pane na internet. Traríamos de volta as velhas máquinas e os cadernos de caligrafia?
Fernando, há certo tempo fiz matéria sobre o que acontecia em Indiana, EUA. Preparava-se lei que abolia o ensino da letra cursiva. Entendia-se que as crianças deviam alfabetizar-se em letra de fôrma, como a do teclado do computador. Na época, entrevistei duas senhoras que se esmeravam na letra cursiva bem desenhada. Endereçavam convites de casamento. Será esse o futuro?
A CALIGRAFIA DE UM SER É A SUA IMAGEM VISTA NO ESPELHO DO SEU JEITO DE SER…