Sonhos

Estava relendo alguns estudos antigos e encontrei um que pode contribuir para melhorar a zorra feita no mundo pelo agente laranja e seu tarifaço. 

O estudo diz que todo país com déficit comercial, ou seja, que importa mais do que exporta, tem que fazer duas e não só uma lição de casa. A primeira é desvalorizar sua moeda, para vender mais e reequilibrar sua balança comercial e o balanço de pagamentos. A segunda é atrair investimentos internos e externos para o setor produtivo, em detrimento do especulativo, e, assim, aumentar e diversificar sua produção, de modo a formar superávits exportáveis. 

É uma coisa meio óbvia. No entanto, durante décadas os EUA fizeram o contrário: não desvalorizaram o dólar nem ampliaram seu parque fabril como deveriam. Quiseram um dólar cada vez mais forte para bancar seu déficit e mandaram suas indústrias embora, para produzirem em outros lugares com mão-de-obra mais farta e barata. 

Claro que uma hora a conta ia estourar. Hoje, os EUA devem à China, em treasuries comprados pelos chineses desde a abertura econômica por lá, mais de US$ 1 trilhão.

Durante décadas os EUA ficaram mais ricos, mas ao exportarem o pagamento de sua dívida, ficaram cada vez mais dependentes dos países que pagavam a dívida para eles. 

Explico. O acúmulo de dólares fora dos EUA é monumental. Só o comércio mundial movimentou no ano passado US$ 33 trilhões. Essa montanha de dinheiro não foi só para remunerar as exportações e/ou pagar as importações dos diversos países. Uma boa parte do dinheiro amealhado foi aplicada pelos países superavitários em títulos do Tesouro dos EUA, que assim financiaram seu déficit por anos a fio. 

Nessa engenhoca — estabelecida quando o tratado de Bretton Woods foi aposentado e o ouro substituído pelo dólar como reserva de valor, no começo dos anos 70 do século passado —, faltou combinar que, vez por outra, o dólar teria que ser desvalorizado, para os produtos americanos não ficarem tão caros nos países de destino, o que acabaria desestimulando sua aquisição. Para compensar, os países importadores teriam que valorizar suas moedas para moderar a entrada de seus produtos nos EUA. 

Tal arranjo pressupõe a vontade de cooperar, mais do que de competir. Mas como não há santos neste mundo, acordos de comércio foram feitos para acomodar as coisas e não funcionaram. Um tribunal internacional (a OMC, que os EUA agora jogaram às traças) foi criado para resolver as pendengas, mas interesses poderosos interferiam e adiavam ou mesmo inviabilizavam as decisões. Hoje, a OMC sofre de paralisia paraplégica. 

Enquanto isso, os consumidores americanos — os que mais gastam no mundo — continuaram pressionando por mais produtos importados. Por sua vez, os países produtores precisavam vender mais para continuarem crescendo. 

Esse cabo de guerra é um corolário do livre comércio num sistema capitalista. Mutatis mutandi, já era assim no mercantilismo medieval, que antecedeu o segundo. E a encrenca continua. 

Agora, com a macaca solta no bazar de cristais, os bancos centrais do mundo terão que chegar a um acordo. Na mesa, duas propostas: uma nova moeda para as trocas, “neutra”, administrada por um Banco Central Mundial, ou a volta ao padrão ouro, que vigorou de 1946 a 1971 e deu estabilidade ao comércio do pós-guerra. 

Faço votos que uma moeda digital seja implementada, rastreável, transparente e de pagamento instantâneo, com lastro em ouro, prata, minérios estratégicos de alto valor e — por que não? — hidrogênio verde, direitos de carbono e biodiversidade. 

O dinheiro digital aposentaria o dinheiro em papel, o que será uma benção para a humanidade. Acaba com o “dinheiro da mala”, acaba com o tráfico de drogas, acaba com o contrabando, acaba com todo tipo de crime financeiro, acaba com as rachadinhas e outros crimes de peculato de políticos picaretas,  notadamente no Brasil. 

Acaba também com toda a burocracia para garantir aos exportadores que suas mercadorias serão pagas e aos importadores que as mercadorias que compraram serão entregues, ao preço contratado. Acaba com as notas fiscais, de fácil deturpação, falsificação e outras ilegalidades. Acaba também com pagamentos postergados, contestados etc, pois tudo será instantâneo e digital, creditado e debitado em sistema blockchain rastreável on line. Contratos ganharão  uma agilidade impensável nos dias de hoje. 

Numa só penada, o mundo resolveria a questão comercial e acabaria com todas as formas de corrupção e crimes financeiros, tornadas inviáveis pela rastreabilidade e transparência do dinheiro digital (no Brasil teremos, em breve, o Drex). O que hoje não deixa rastro devido aos  processos de lavagem cada vez mais sofisticados, com a moeda digital ficaria sob a luz do sol. 

Poderia ser um mundo novo admirável, como Aldous Huxley jamais sonhou. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e curioso com o que vai acontecer após o desastre trumpista, considerando, com otimismo, que há males que vêm para bem. 

11/4/2025

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