De volta à terrinha dos canastrões

O que posso dizer é que sobrevivi e foi fantástico!

For God sake, estive livre uns bons dias do medíocre cotidiano, do prevaricou ou não prevaricou, tomou vacina ou não tomou, as joias foram presentes ou muamba, Avenida Brasil e suas balas perdidas, o Mauro Cid, o laboratório que doava HIV, do ministro apalpante, as rachadinhas, oops, esse mais parece titulo do selo Brasileirinhas, enfim…

Em Nova York, onde não pisava há anos, achei o pessoal mais gentil e menos de mal com a vida (se é que isso é possível). Acredito que deva ser pela maconha liberada para fins recreativos.

Com metade da população desempregada o jeito é se divertir. Por onde eu passava era defumado pelo cânhamo. Chegou a ser um experiencia espiritual.

O musical do Michael Jackson na Broadway foi incrível. Não sou grande fan do gênero, mas a acústica do teatro e a sincronia dos leds foi de tirar o chapéu. Eu que sou do ramo e resmungão, posso dizer que saí de bico calado. Uau!

Ainda no tema espiritual, em Chicago fomos a uma missa na Fourth Presbyterian Church. Pude cantar a plenos pulmões, abraçar desconhecidos e fechar a comunhão com pão molhado no suco de uva. Uma experiencia e tanto. Sai renovado e energizado para enfrentar a vida. Mas essa energia foi embora em minutos, me enfiaram na maior loja da Starbucks do mundo. Foram 7 andares com filas infinitas com aquela tradicional malemolência dos funcionários. Não entendo, com tanta cafeína rolando no ar, ninguém tem pressa ali, tudo é lento, tenho a sensação que estamos fora da atmosfera naquele lugar. Como diria meu tio Gino:- “Lugar de fessas” em livre tradução, lugar de bobões.

Na Pensilvânia, seguimos para New Hope e nos acomodamos em um pitoresco bed and breakfast no melhor estilo Bates Motel. Lembrava o filme Psicose.

Logo na porta de entrada, havia uma roupa com uma peruca assustadora. Era um sobradão antigo com 3 pisos que rangiam e havia um único atendente misterioso que dizia:- o café será servido as nove.

Pela manhã os hóspedes se reuniam em uma grande mesa de jantar com 10 lugares, onde trocávamos conversas diversas típicas de quem nunca se viu. Vale a pena xeretar. https://www.aaronburrbandb.com/

Na cidade do peru, pelo que me preveniram, esperava encontrar carros com alto falantes alardeando minha chegada. A expectativa era intensa.

Ele chegou! The turkey guy, come on. Venham ver de perto essa curiosidade direto do 3º mundo, em curta temporada aqui em Doylestown.

Até meu possível companheiro de cela se pronunciou na rádio local. Disse que eu seria recebido com “muito carinho” se o peru fracasse.

Ao contrario de todas previsões, foi suave e não recebi o troco em balas!

Passamos horas em um castelo, pois o passeio incluía um pequeno banho de cultura local. Nomes como Alexander Hamilton e George Washington fizeram parte do meu novo cotidiano. Para ter um comparativo, por ali esses caras seriam como o Pelé na Vila Belmiro.

Seguimos para meu grande encontro, mesmo sem os batedores abrindo caminho e afastando os curiosos do carro oficial, um Dodge Ram 4×4.

Aprecio muito o desenho dos carros americanos, esse tem sete metros. Três são usados para acomodar o motor, quatro são para o tanque de combustível e o restante é para acomodar o copo Stanley e seus ocupantes.

Das curiosidades, notei que eles não usam fitinha do Senhor do Bonfim da Bahia amarrada nas placas. Estranho né, gente esquisita.

Tenho um amigo que na lua de mel prendeu um cadeado na ponte do rio Sena. Isso sim é esquisito. No ano seguinte voltou para serrar o cadeado. Está livre da maldição.

Ao chegar na casa fui devidamente apresentado. Seu nome era Tommy e tinha um ótimo peitoral.

O bicho era volumoso, quase 11 kg, orgânico e resfriado, nenhuma semelhança com o que estamos acostumados, congelado, temperado, salitrado e com um termômetro ejetável.

Vesti o avental e preparei minha marinada, aparei as arestas e fiz o batismo dele em um bowl. Segui com o preparo da minha super farofa natalina para rechear o menino.

Deixei uma missão aos meus soldados:- Daqui a 5 horas vire-o na tigela e quando a farofa esfriar, acondicione em um zip na geladeira.

Não se desesperem, amanhã eu volto.

Missão dada, missão cumprida!

No dia seguinte, embebido naquele liquido mágico retirei-o do refrigerador, ele sorriu para mim como quem diz papai.

O resto do dia foi só alegria, coloquei o recheio, meus aditivos secretos e forno nele.

A farofa que sobrou foi exterminada em segundos pelos ocupantes da nave.

Busquei inspiração relaxando em frente a tv assistindo o “American Dog Show” e a tradicional parada da Macy’s. Vi cachorros bem “afresculhados” com tosas no melhor estilo art pop, com bumbum raspado e polainas de fartos pelos, porém alguns competidores tinham um cárdio de fazer inveja a maratonistas.

Esses americanos se divertem com cada coisa. Que falta de criatividade! Poxa vida, um feriadão desse, faça como aqui, vai dar o golpe do Tinder, sequestra um cachorro assim e pede resgate, vai vender Ozempic falso ou o golpe da Cinderela, que falta de imaginação. Hehe

Na parada, aplaudi várias personalidades como Bob esponja, Homen Aranha, Minnie Mouse, Patrulha canina, os Minions e alguns cantores rebolantes que nem sei de onde saíram. Sempre achei que música que toca em radio era invenção do locutor, mas pelo jeito existe gente por trás disso. Fiquei chocado em saber.

Senti falta dos adoráveis Garoto Enxaqueca, do Fudêncio e do Cartman do South Park com seu comportamento egoísta, manipulador, sociopata e de linguajar inapropriado. Por aqui diriam que foram banidos do programa por preconceito. Se estamos em uma democracia, mantenha esses personagens como um produto de nicho e pronto. Vamos votar uma CPI e na calada da noite aprovar um aumento para a classe política, que trabalha incessantemente nesse tema: o aumento.

Eu interrompia a programação apenas para acompanhar o Tommy no forno e ir ajustando a temperatura em F graus conforme meus orixás me orientavam.

Em certo momento, quando retirei o papel alumínio para a última etapa (o bronzeamento) decidi me enturmar com os bebedores de vinho presentes.

Não bebo vinho, prefiro outro tipo de alquimia, mas o povo já estava bem amaciado. Foi ali que encontrei um campo fértil para eu transformar aqueles sentimentos de ternura, irmandade e poesias declamadas em brincadeiras hardcore. Sim, nos ambientes aristocráticos que frequento tem até poesia. Teve até uma pequena introdução sobre a euritmia e Rudolf Steiner.

Chegou a lembrar o antigo encontro dos poetas nas tardes de domingo no Hyde Park.

O anfitrião é artista plástico, pintor, escultor, músico e poeta. Finalmente encontrei alguém que possa interpretar meus comentários incomuns.

Quando o pessoal se emocionava eu quebrava o gelo com alguma frase. Em certo, momento em meio a declamações acaloradas, pedi um tempo, saquei um lenço e ofereci a um dos homenageados. Foi palhaçada geral.

As pessoas se abraçavam, riam e tinham sentimentos, nem parecia que eu estava nos EUA. Destilei meu inglês transilvânico sobre os convidados. Acho que me especializei em “jokes” em inglês. Dali em diante foi uma estrada livre e asfaltada para pontualmente desfilar meus impropérios. Mentalmente fazia uma seleção do que poderia falar, só então eu abria a boca. Reduzi a marcha quando o terceiro cachorro se retirou da sala.

Tocamos fogo naquela cozinha literalmente. Fizeram um preparado típico com batata doce coberta com marshmallows que acabou incinerado com labaredas saindo do forno.

Eu perdi esse episódio, tinha ido até a porta respirar um arzinho congelante quando escutei a gritaria, mas dei o azar de chegarem 2 carros com convidados bem nesse momento. Não tive como correr e por falta de opção acabei tendo que me apresentar e recebê-los sem ninguém saber quem era quem. Poderia ter me passado por manobrista e evitado o constrangimento, mas era tarde.

Nos acomodamos à mesa e em meio a mais poesias, agradecimentos e orações “pela colheita” me contive, lembrei do cachorro ausente e não fiz a brincadeira que fazia com minha mãe.

Eu sempre dizia:- mãe, é melhor rezar e agradecer só depois, ainda não sabemos se ficou bom e não quero que a comida esfrie.

No mais, estava tudo ótimo, não tivemos nenhuma baixa, ninguém intoxicado e foi uma grande aventura pelo rio Delaware.

Recebi várias congratulações dos convidados pelo peru, que de fato ficou muito bom. Apenas senti falta do meu nome em uma rua ou praça, mas com a terapia já estou superando.

Interessante como na América, em cada lugar você encontra um memorial dos veteranos ou dos falecidos em guerra.

Deve ser dureza completar 18 anos ali. Pensar que a qualquer momento vão enviá-lo a morte em algum buraco de mundo por uma causa cretina.

Não seria mais interessante mantê-los vivos e utilizar essas áreas para outra finalidade?

Conheci ainda lugares por onde George Washington passou, sentou, bebeu e limpou o barro das botas. Para minha surpresa, encontrei algumas lojas de discos novos e usados.

Nos voos que fizemos, foi interessante observar os filmes que as pessoas escolhem para ver. Uma garotinha bem fofinha de uns 10 anos, digeriu o Poltergeist com demônios adornando a tela por 2 horas após o almoço.

Um com pinta de executivo acompanhou um filme digital da Marvel com inumeros homens aranha sendo degolados e cortados ao meio, chegando em dezenas sem parar, tipo filme de zumbis. O garotinho de uns 7 anos na minha frente optou pelo filme Os Bons Companheiros, recheado de assassinatos brutais e surras violentas a cada 10 minutos.

Rodeado por essas mentes saudáveis, assim termino agradecendo por tudo, inclusive por não ter sido molestado pelo meu vizinho de poltrona durante a noite como alguns casos que já se tornaram rotineiros. Isso merece um lindo texto, aguardem.

Na próxima viagem, devo me lembrar de distribuir cartões do meu cliente psiquiatra.

Thanksgiving Jesus!

Janeiro de 2025

 

14 Comentários para “De volta à terrinha dos canastrões”

  1. A epopéia do peru, realmente uma estória marcante para todos personagens. Mas finalmente o peru estava ótimo. Parabéns

  2. Fábio, ou melhor , grande escritor Fábio, cada texto que publica é melhor e mais”apetitoso” que o outro. Esse, em especial , está super interessante, desfilando por diferentes ocasiões e nos fazendo saborear juntos cada trecho ( pena que sem o admiravel peru). Enfim…mais um sincero parabéns e que seja para breve a próxima Crônica!

  3. Esse peru gerou uma boa história.
    Interessante os gostos cinematográficos dos vizinhos de poltrona, um banho de sangue kkkk

  4. Maravilhosa saga de um peru Fábio!
    Rsrs
    Também me remeteu ao Jorge.
    Mas esse, bem mais atrativo e menos triste.
    Suas aventuras estrangeiras nos divertem e animam!
    Dá pra ver o lado bom em todas as situações.
    Parabéns querido!!

  5. Turkey Guy!
    Voce tem muito talento! Observações ricas, criativas, sarcásticas, divertidíssimas!!
    Continue a publicar suas crônicas.

  6. Fabio,
    Excelente leitura , e realmente o Peru fez sucesso .
    Deu água na boca …
    Agora a foto do Motel é bem típico Psicose .
    Só faltou alguém atrás da cortina olhando pra fora .
    Continue escrevendo meu amigo, não é só o Peru que vc faz bem .
    Forte abraço,
    Aguardando a próxima leitura.

  7. Parabéns! Mais um texto que mostra sua personalidade criativa, de muitas observações e vivências espontâneas.
    E o mais interessante é que você descreve as situações de maneira que o leitor se transporta para a cena….muito bom!!! Continue escrevendo, suas crônicas são divertidas, inteligentes e muito agradáveis. Beijo

  8. Fabio, caro! You, Turkey Guy!
    Eu tive o privilégio de vivenciar essas cenas ali, e sobretudo de me deliciar com o Tommy e, quase que melhor do que ele, a sua farofa natalina, insuperável!! E posso dizer que seu grande talento para a escrita compete com seus dotes culinários!… Sua capacidade de observação é formidável, como é seu senso de humor. Palavras são saberes. E saberes são sabores!
    Espero desfrutar de mais perus natalinos e textos sensíveis e divertidos. Continue!

  9. Muito Bom meu querido Fábio,a riqueza dos detalhes que voce conta com muito bom humor sao sensacionais,vou me incluir neste proximo evento natalino fora do Brasil…parabens bjo….

  10. The Turkey Gye arrasou! Parabéns! Adoro seu poder de descrição . Você nos transporta para o momento que vivenciou! Com certeza será convidado para o próximo ano! Abs!

  11. Excelente trabalho, experiência única, Explicitamente real, Fábio vc merece reconhecimento internacional de suas funções cerebrais… um verdadeiro Expert.

  12. Graaaande cunhado, ou melhor, Turkey Guy!
    Eu tesmunhei (e saboreei) o que foi – disparadamente – o melhor Peru de minha vida! E creio que esse comentário se estenda por todo o lado da minha familia americana aqui, pode acreditar. Todos amaram o Peru! Mandou muito bem, parabéns! Aliás, a forma como vc descreve em seu texto todos esses momentos dessa viagem incrível é inigualável! Mistura humor e irreverência (dei muitas risadas aqui kkk) com muita sabedoria! Muito bom, continue escrevendo que todos nós só temos a ganhar com isso. Bjão,

  13. Muito legal essa saga, Ops! Digo, crônica do peru. Na missa, aposto que entoou somente o aleluia a plenos pulmões como fez o Mister Bean kkkkkkkk
    Abração caro amigo. Saudades.

  14. Que maravilha! Não somente talentoso na escrita como master chef também!
    Os detalhes das suas descrições nos remete aos momentos vivenciados por você com muita clareza.
    Continue escrevendo e nos deliciando com seus textos sensíveis e divertidos! Adorei.
    Beijos

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