Não sei, não, mas está me parecendo que a guerra comercial do Napoleão de hospício do norte foi um tiro que saiu pela culatra antes mesmo de acontecer.
As reações do Canadá e da China foram muito mais fortes do que o Napoleão esperava. Agora, ele corre atrás do prejuízo, como o chefão da esquina nos meus tempos de guri fazia:
“Peraí, peraí, eu tava só brincando, peraí!”
Não sei se lamento ou se acho que é um alívio para o mundo. Confesso que eu estava querendo ver o circo pegar fogo. Não só pelo tarifaço, e seu rebote na economia norte-americana, mas também por dois movimentos extremamente perigosos que o Napoleão fez.
Um foi a visita estapafúrdia do sujeito enviado para apertar a mão do escalafobético ditador venezuelano, Nicolás Maduro. Acho que nem o Maduro entendeu nada até agora.
A mim pareceu que o tal enviado foi tratar de substituir o petróleo canadense pelo petróleo venezuelano, caso o Canadá fechasse as torneiras do seu óleo para os estados ianques governados pelos republicanos.
Maduro deve ter dito “nem vem que não tem, porque já tenho problema demais e não preciso de mais um”. Mas Maduro aparece sorrindo nas fotos, o que me pareceu que estava rindo da alegada proposta de entregar o poder para mudar-se com pompa e glória para os EUA, onde seria recebido sobre tapetes vermelhos, caso concordasse!
Outra coisa que o tal enviado pediu foi que Maduro aceitasse a deportação de centenas de milhares de venezuelanos perseguidos que fugiram ou se refugiaram nos EUA.
É claro que Maduro deve ter respondido com um não às gargalhadas. “No, no, no, mi querido, no los queremos, ellos están muy bien lejos de aqui“. Em resumo, “o abacaxi é de vocês.”
Salvo engano de minha parte, o tal enviado de cabelo cortado cadete militar voltou de mãos abanando. Nada mais se soube a respeito.
O segundo movimento foi ainda mais ousado. O Napoleão deu carta branca para o Mosca bisbilhotar as contas de pagamentos do Tesouro Nacional, que somam trilhões de dólares e onde, certamente, tem muita gordura para cortar.
Ocorre que o dito trilhonário precisa ter permissão expressa do Congresso para meter o nariz na dinheirama. E parece que não terá vida mansa, pois mesmo entre os representantes republicanos na Câmara e no Senado há fortíssima resistência a essa empreitada.
Tão grande que o Mosca olhou para o lado e resolveu atacar de esquerdista insurgente o sacrossanto Usaid, de triste memória quando eu participava dos movimentos estudantis na década de 60 do século passado. Nossa, cómo estoy viejo!
Nunca pensei, em minha vã filosofia, que um dia a extrema direita trumpista acabaria com uma só canetada a paquidérmica estrutura do Usaid, contra quem levamos seguidas porretadas da polícia de choque tupiniquim naqueles idos.
Vai, Mosca, você é dos meus, acaba agora com eles!
É o que eu diria 60 anos atrás. Mas hoje, o Usaid é outra coisa e sua ajuda representa a vida ou a morte para milhões de adultos e crianças em todo o mundo.
De ponta de lança do imperialismo ianque em sua ação quixotesca contra o suposto avanço do comunismo soviético no mundo, o Usaid pós guerra fria virou uma agência humanitária com orçamento bilionário, para atuar onde a pobreza e a miséria chegaram a um grau de insanidade inimaginável.
É precisamente esse destino — a redução da desigualdade, da fome e do subdesenvolvimento no mundo — que o Napoleão do norte não quer para os impostos recolhidos ao Tesouro dos EUA.
Ele não vê que a fome e a miséria são o que mais ameaçam as fronteiras dos EUA. A droga sempre vai passar, enquanto houver mercado. E que mercado, aliás! Mas a droga não traz riqueza, ao contrário da mão-de-obra da fome e da miséria que bate à porta dos EUA, suprindo empregos, pagando impostos.
O que o Napoleão de hospício quer é que todos se danem!
A America first!
Nelson Merlin é jornalista aposentado e estupefato.
4/2/2025