O Senado deve se debruçar a partir desta semana sobre o novo Código Eleitoral, que, mais uma vez, traz à baila o fim da reeleição e a coincidência de datas das eleições federais, estaduais e municipais, além de mudanças na regulação de prestação de contas e nas inelegibilidades. A matéria, examinada pela Câmara em 2021, de repente ganhou urgência extraordinária, com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) decidido a votá-la ainda no primeiro semestre, como se fosse de extrema relevância para o país. Esforço inútil, que não aperfeiçoa o sistema e só ratifica o quão distante os representantes estão dos eleitores.
A ideia, parte dela apresentada ainda em 2015 pelo então senador Aécio Neves (PSDB-MG), é proibir a reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos, que passariam a ter cinco anos de mandato. O relator atual, senador Marcelo Castro (MDB-PI), preferiu não bater martelo sobre a coincidência da data do pleito e do tamanho do mandato, colocando-os para consulta dos pares. Talvez o tenha feito por insuficiência de argumentos que indiquem qual seria a melhor opção.
A inexistência de dados sobre os efeitos positivos ou negativos da reeleição deixa que tudo se resuma à preferência pessoal dos parlamentares. Há quem diga que um candidato à reeleição já se elege pensando na eleição seguinte, estando permanentemente em campanha. Como se o comportamento fosse exclusivo dos que querem se reeleger e não aplicável para fazer o sucessor. O presidente Lula, só para dar um exemplo, não desceu do palanque um só dia quando mergulhou seu governo na campanha de Dilma Rousseff, a quem ele apelidou de “mãe do PAC”, principal empuxo de seu segundo mandato. A URV, embrião do Real, lançada no governo Itamar Franco, também foi a mola propulsora para a eleição de seu ministro Fernando Henrique Cardoso. Outros afirmam que a reeleição é adubo para a corrupção, como se impedi-la em terra de corrupção abundante funcionasse como pesticida.
No máximo pode se dizer que estaria na hora de o país experimentar governos sem reeleição, instituto criado por FHC, que, desde a redemocratização, só não foi utilizado uma única vez. Não beneficiou, nem beneficiaria se já existisse, o ex Fernando Collor de Mello, que renunciou ao cargo no dia de sua cassação.
A duração dos mandatos também pode ser incluída no grupo da experiência e erro. Por que cinco anos e não seis? Por que seis e não oito? A definição, seja qual for, se dará por achismo puro.
Diferentemente de reeleição e duração de mandato, há indicativos que demonstram a impropriedade da proposta de reunir em uma única data as eleições para prefeito, vereador, governador, deputados estaduais e federais, senadores e presidente da República. A ideia chegou a ser testada em 1982, nos estertores do regime militar. Normalmente é assim: ditaduras odeiam e democracias gostam de eleições frequentes, por ser o instrumento ativo que o cidadão-eleitor tem.
Há de se computar ainda o fato de que a disputa para presidente acaba por carrear as paixões, deixando os demais cargos na opacidade. Prova disso é a influência dos presidenciáveis nas eleições municipais, mesmo eles estando fora das urnas. No caso dos candidatos proporcionais, a maioria vai sumir. Só sobrarão os famosos – pastores, comunicadores e “influencers” -, os muito ricos e os de mandato hereditário. Soma-se aqui outra consequência não menos danosa: a redução ou ampliação de mandatos para se proceder a tal coincidência, atropelando o contrato firmado com o eleitor.
Os que defendem a unificação falam em redução de custo – o que é irônico para um Congresso acaba de aprovar indecentes R$ 5 bilhões de fundo eleitoral – e da trabalheira de realizar eleições a cada dois anos, além dos efeitos que o pleito municipal traz para o governo de quem está no meio do mandato. Esse estranho argumento foi utilizado pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao apoiar a tese. Ora, se eleições perturbam…
Como deve ser alterado pelo Senado, o novo Código Eleitoral voltará à Câmara, nesse momento mais interessada na blindagem de políticos contra ações da Polícia Federal e do STF, limitando e até impedindo diligências contra políticos suspeitos. Pacheco afirma que a regalia não passa no Senado mesmo se for aprovada na Casa ao lado. Ainda que seja difícil prosperar, só a existência da proposta é de arrepiar.
O movimento do Congresso vai na direção oposta a de mudanças eleitorais necessárias, algumas inadiáveis. É urgente rever a representação proporcional de acordo com a população de cada estado, ação já determinada pelo STF após o Censo de 2022, que acabará por reduzir bancadas de alguns estados e ampliar as de outros. Seria fundamental banir o absurdo instituto da suplência, pelo qual senadores sem voto exercem o mandato na ausência do titular – hoje são 9 nessa condição. E ter a coragem de respeitar o eleitor substituindo o dever do voto obrigatório pelo real direito do voto facultativo.
Ninguém tocou nessas feridas, muito menos pensou em perguntar a opinião do eleitor. Suas excelências continuam a priorizar suas conveniências políticas e pessoais, a só enxergar seus próprios umbigos. As urgências do eleitor? Essas que se danem!
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/3/2024.