Cuidado! Intruso na cozinha

De repente, caí em si, como diz o vulgo. Se as pessoas cozinham o tempo todo, até na tela da tevê, por que eu não? Logo entrava na cozinha com livros de receita guardados na despensa.

Abri um deles: “Pegue o cheiro verde, pique a salsinha e a cebolinha”. Começou aí. Tem uma foto, mas não tem cebola nenhuma. Apenas uns matinhos. Só depois descobri que um deles chama cebolinha. Desaforo! Viro as páginas. Ah, este prato que a Haydeê (esposa) fazia… É, mas tinha que ungir a fôrma. Ora, levo na igreja para receber os santos óleos?

Dena (cunhada) entra na cozinha. É da área, sabe tudo. Coloco a questão da unção. Ela cai de costas.

— Não é para ungir nada! É para untar. UNTAR. Com manteiga.

Manda quebrar dois ovos. Imagino os tambores da orquestra sinfônica rufando em um crescente e, no auge, um músico bate os pratos que tem nas mãos – TCHAM! Já que Dena ainda não se acalmou, faço meu número. Pego um ovo em cada mão e – tcham!

Magistral, mas foi tudo para a panela. Gema, clara, casca partida, sem contar a sujeirada no fogão. A receita vem de Portugal. Manda “deitar o azeite” – explico para a cunhada. Portanto, pego a lata que está em pé, em cima da pia, e a deito.

— Acabou seu show? – diz Dena. E se retira indignada.

Em outros tempos, culinária e humor combinavam. Quantos pratos cheios humoristas da escola de Charles Chaplin atiraram na cara de outras pessoas?

Bem, para contornar a situação vou à feira. Na peixaria, vejo um peixe bonito. “Pescada”, explica o vendedor. “Me vê duas, dessas grandinhas”, peço. Em casa, encontro Mônica (filha), e a cunhada, na cozinha.

— Trouxe o almoço – anuncio. – Pescada, está uma beleza.

Elas se animam. Abrem o pacote.

— Mas você trouxe a pescada inteira… – diz Mônica.

— Você queria que trouxesse o que, só metade? – reajo.

Dena entra em cena.

— Nenhum problema. Como vai ser? Filés, postas…

Filés, decide-se. Com maestria, a cunhada maneja a faca e logo a pedida está no ponto. Sobram pele, e restos não aproveitáveis.

Apanho um papel e me ponho a embrulhá-los. Antes que me perguntem, explico:

— Não gosto de desperdício. Vou andar aí fora e entregar ao primeiro gato de rua que encontrar.

Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 19/2/2024. 

2 Comentários para “Cuidado! Intruso na cozinha”

  1. Ah, Valdir! Que delícia!!! Quero mais visitas à cozinha.
    Beijos saudosos dessa eterna fã.

  2. Caríssima Sheila. Fiquei muito contente por você se ter lido meu despretensioso texto e aprovado. Gostaria muito que você viesse almoçar aqui em casa, em Guarulhos, com a família. Venha descansada, quem preparará a refeição será minha cunhada Dena.
    O convite é sincero e está valendo.

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