Era para ser uma frase de efeito, uma ironia, ainda que sem graça. Mas ao fazer chacota com a “gloriosa imprensa democrática” o presidente Lula perdeu mais uma gloriosa chance de ficar calado. Reeditando as lamúrias de que a mídia não noticia os feitos de sua gestão, Lula zombou do maior valor da imprensa livre e responsável: a firme defesa da democracia, que, sem dúvida, sr. presidente, a faz gloriosa.
Basta lembrar as gloriosas páginas de O Estado de S. Paulo, que passou a publicar “Os Lusíadas” de Camões nos espaços censurados pelo AI-5. As gloriosas receitas culinárias que ocupavam os campos vetados pelos censores no vespertino Jornal da Tarde, os diabinhos gloriosos da revista Veja. O glorioso editorial da Folha de S. Paulo pró-diretas, antes da votação da emenda Dante de Oliveira. Mais recentemente, a gloriosa reação da imprensa contra o 8 de Janeiro e o golpismo bolsonarista.

Governantes costumam não gostar da imprensa. Menos ainda quando estão com a popularidade em baixa, como é o caso recente de Lula, que não mais consegue esconder seu desconforto com o viés negativo das últimas pesquisas. Era preciso, portanto, catar responsáveis imediatos para o fracasso. Nada como a comunicação e a imprensa, os culpados de sempre.

As relações de governos com a imprensa tendem a ser tensas, o que é natural dado o caráter de fiscalização e cobrança do exercício do jornalismo. Degringolaram-se com as redes sociais, ambiente hostil onde não são poucos os que se arvoram a “jornalistas”. Por aqui, ficaram ainda mais agudas a partir do governo do ex Jair Bolsonaro. Mas é um ódio antigo.

O mantra “isso você não vai ver na Globo”, usado nas redes pelos bolsonaristas para multiplicar notícias falsas, se assemelha à descrença de petistas na mídia tradicional, que eles demonizam. Aqui (e em outras searas também), o ex Bolsonaro e Lula têm tudo em comum. Uma vez no poder, sustentam a mídia amiga, com distribuição de verbas publicitárias públicas em troca da lealdade canina. Conseguem assim ter uma imprensa dócil, com eterna “boa vontade” para as notícias oficiais.

O filhote da imprensa democrática – gloriosa, sim, sr. presidente – cospe no prato em que comeu.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/3/2024.
Precisa e aguda, essa matéria.