Uma pilha de repórteres se amontoava dentro e fora da delegacia. O delegado tentava dar respostas objetivas, mas abusava das metáforas. O leite azedou, dizia ele, e o amontoado de repórteres queria saber a marca do leite para informar à população, de modo a não comprar coisa que não presta.
— Bozó&Lanches – respondeu, sem floreios.
— Pode nos informar endereço e CNPJ?
— Palácio do Planalto com filial no Palácio da Alvorada, Brasília, última gestão – respondeu, telegráfico.
A delegacia quase veio abaixo. Mais e mais repórteres chegavam e se embolavam em frente ao delegado.
— Excelência – disse um, empáfio, no meio da confusão -, se tem leite azedo nós queremos saber quem é o chefe. Quem é que mandou pra frente o leite intragável?
O delegado pôs mais lenha na fogueira:
— O leite e os cartões de vacina do gado. Tudo falso!
— Mas para que cartões de vacina? – perguntou uma repórter que acabara de chegar.
— Para entrar com o gado nos Estados Unidos – respondeu, na lata, o delegado.
— E quem é o ordinário que mandou fazer cartão para inglês ver? – perguntou um repórter de polícia macaco velho.
— Essa informação ainda não tenho. Estamos apurando.
— Mas sua excelência acha que tem um mandante?
– É claro! Claro como a luz do sol. Ou você acha que um ruminante qualquer ia fazer toda essa lambança por conta própria?
A delegacia, que já balançava, agora veio abaixo de uma vez.
— E quem é o principal suspeito? – perguntaram em uníssono, entre os escombros, as centenas, talvez já os milhares, de repórteres presentes.
— Aos primeiros interrogatórios, os ruminantes presos estão dizendo que foram as emas do jardim do palácio.
– Como é que é ?????? – perguntaram atônitos os repórteres em meio ao caos.
— As penas, as da cadeia, não as das aves, vão ser dobradas por calúnia e difamação – acentuou o delegado, encerrando a entrevista. Não sem antes prometer para qualquer momento novas e vibrantes informações.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e ficcionista.
5/5/2023