Um governo com fúria estatizante

Para explicar a fragorosa derrota do governo na Câmara dos Deputados na quarta-feira, 3/5, quando foi aprovado, por 295 votos a 136, o projeto que derruba parte dos decretos do presidente Lula alterando o Marco Legal do Saneamento, falou-se muito em que o atual Congresso é conservador. Mais conservador do que na legislatura passada.

Bem, o Congresso está mais conservador mesmo, sem dúvida. O bolsonarismo levou a um grande crescimento do número de deputados e senadores abertamente conservadores em termos de moral e costumes. Infelizmente. Mas a derrota do governo em mais um dos seus ataques estatizantes não tem nada a ver – me parece – com conservadorismo. Tem a ver com forma de ver a economia – e, sim, o Congresso está menos estatista, estatizante.

Felizmente.

Esse, me parece, é um recado importante que o placar de 295 a 136 contra o retrocesso na ordenação dos serviços de saneamento deveria passar para o governo Lula. A ampla maioria do Congresso não quer retrocessos na área econômica.

No caso específico do saneamento, as vantagens da desestatização incentivada pelo Novo Marco Legal, aprovado em 2020, são óbvias demais. As concessionárias que venceram licitações em vários Estados garantiram investimentos de R$ 72,2 bilhões. Antes, 14% da população era atendida pelo setor privado; em menos de dois anos, o número passou para 23%.

E ainda houve o contrassenso de o governo tentar alterar normas aprovadas em lei pelo Congresso com o expediente autoritário dos decretos. A manobra tinha mesmo tudo para ser derrotada de forma acachapante. Isso para não falar, é claro, de diversas outras questões, como a falta de coordenação política do governo na Câmara e no Senado, problema grave que o próprio Lula demonstrou nos últimos dias que pretende se dedicar pessoalmente a enfrentar.

A tentativa de retrocesso no saneamento é apenas um item de uma série apavorante de ações que visam a aumentar a participação e o poder do Estado na economia.

Seria de se esperar que o governo Lula 3, eleito por margem mínima, e tendo que, para vencer, contar com o apoio expressivo de correntes menos à esquerda, mais próximas do centro, viesse mais brando, mais suave. Mas o que se tem visto é exatamente o inverso. Lula 3 chegou com uma sanha estatizante furiosa, ampla geral e irrestrita. O presidente fez questão de afirmar que nenhuma estatal será privatizada. Os processos de privatização que estavam em andamento – como o dos Correios – foram interrompidos.

Ainda na sexta-feira, 5/5, o governo entrou no Supremo para modificar o estatuto da Eletrobrás e garantir mais poder da União na empresa que foi privatizada. Os milhares de acionistas e a própria empresa que se danem.

Exatamente como fizeram as administrações Dilma e Bolsonaro, Lula 3 já deixou claríssimo que quer interferir na Petrobrás e alterar a política de preços dos combustíveis. Os milhares de acionistas e a própria empresa que se danem.

Todos os avanços no ordenamento da economia obtidos a duras penas ao longo das últimas décadas estão sob ameaça. A Lei das Estatais, um fantástico contraponto ao loteamento político das empresas, está sob ataque desde a eleição de Lula – e tudo indica que não haverá descanso até que se consiga retroceder nas normas para bem administrar o imenso número de companhias públicas.

Até mesmo em estatuto interno de agência o governo meteu a mão, como no caso da Apex, que antes exigia inglês fluente de quem fosse presidi-la. Como o petista Jorge Viana não tem inglês fluente, mudou-se o estatuto.

É desalentador ver que, depois de toda a lambança da corrupção nas estatais nos governos petistas anteriores, o país está de novo nesse processo de estatização. Contra tudo o que a História já mostrou, contra os rumos de boa parte dos países democráticos, contra a maioria do Congresso Nacional, o governo Lula 3 parece absolutamente determinado, na economia, a rumar em direção a 1917.

A esperança de quem não concorda com tanto retrocesso recai – meu Deus, que ironia! – sobre os “conservadores” do Congresso Nacional.

Este texto foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/5/2023. 

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