O gado está quieto. Tudo de orelha em pé. Mas quieto. Nem latidos dos cães mais fiéis se ouvem. No curral, um forte cheiro de estrume exala. Fracos mugidos nos cantos escuros ressoam.
Eram 6 horas da manhã quando na aldrava da porteira três toques fatais soaram: toc-toc-toc. Uma hora depois, ruminantes suspeitos são embarcados nos reboques de reluzentes SUVs policiais. Destino: a delegacia.
O que será que aconteceu no rebanho? — perguntam repórteres curiosos recém chegados.
O leite azedou — responde o delegado.
Procederam-se de imediato as providências de praxe. Impressões digitais, exames de corpo delito, fotos de frente, de lado, de costas, essas coisas que a polícia faz todo dia, toda noite.
A diferença é que dessa vez todos os ruminantes eram de alguma forma graduados: sargento, tenente, tenente-coronel, secretário de prefeitura e outros sem profissão definida mas detentores de altos postos a serviço de ex-magistrado do Executivo federal.
O movimento é uma surpresa. A iniciativa foi do Poder Judiciário. A execução, da Polícia Federal. Em diversos currais, digo, locais, no país imenso. Numa das ações, a Polícia entrou num quartel do Exército para arrebanhar o ruminante.
Nunca se viu coisa igual.
E não se diga que foi idéia do governo federal.
A última vez que vi coisa parecida foi nas prisões ilegais de opositores ao último regime dos generais. Mas não havia mandatos judiciais. Tampouco juízes e ministro do STF dando as ordens. A iniciativa era dos generais e a execução, da Polícia do Exército e do Dops. Sem direito a defesa ou argumento.
Mudou muito o país imenso.
Valeu, Xandão!
Nelson Merlin é jornalista aposentado e admirado.
4/5/2023