Liberdade de expressão e regulação digital

O advento das redes sociais pode ser considerado um grande avanço uma vez que democratizou de forma horizontal a participação dos cidadãos na esfera política. Mas, paralelamente, escancarou o fenômeno milenar das fake news.

Para defini-las de maneira mais específica, as fake news são informações que são deliberadamente falsificadas, distorcidas ou manipuladas com o intuito de enganar as pessoas. Elas podem ser criadas por indivíduos ou organizações com agendas políticas ou ideológicas, ou simplesmente por pessoas que desejam obter atenção ou notoriedade. Elas se apresentam em diferentes formatos, como imagens manipuladas, textos falsos ou incompletos, vídeos adulterados.

Vale ressaltar que as fake news são um problema dramático, pois podem afetar a opinião pública, as eleições, a saúde pública, verdades científicas e muitos aspectos da vida em sociedade.

Identificar o que é uma fake News pode ser uma tarefa bem complicada. E é preciso ter cuidado para não combatê-las caçando o direito das pessoas de terem suas opiniões ou crenças e expressá-las.

Devemos ao iluminismo do século 18 o direito ao dissenso e ao livre pensamento. Antes, as divergências de ideias eram resolvidas pela via da eliminação física. Basta lembrar os tempos da Santa Inquisição em que os hereges iam para a fogueira. Ou que em 1616 Galileu Galilei, cientista, físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano, entrou para o index da Congregação do Santo Ofício e foi ameaçado de pena de morte ao comprovar e defender a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico, segundo a qual a Terra e os planetas giravam em torno do sol. Teve de se desdizer publicamente, mas não deixou de estar certo.

Notícias falsas e mentirosas ganharam uma escala gigantesca em aplicativos populares como o Telegram ou o Twitter. Outras plataformas se especializaram em multiplicar inverdades como os aplicativos de mensagens instantâneas, e-mails, sites de notícias falsos. Elas se tornaram uma ameaça às democracias e também passaram a alimentar o discurso do ódio, estimulando a violência.

Governos de diversos países viram-se diante da contingência de regular as plataformas digitais sem sacrificar a liberdade de expressão, herança do iluminismo.

No Brasil o tema entrou na ordem do dia, sobretudo após a patética tentativa de golpe em 8 de janeiro, onde os manifestantes contaram com as redes sociais para se mobilizar. Assim como o assalto ao Capitólio, nos Estados Unidos, elas foram fundamentais para articular a invasão às sedes dos três poderes brasileiros.

Os episódios de violência em escolas, com o terrível assassinato de alunos e professores, também tiveram terreno fértil e defensores ardorosos nas redes sociais.

A desinformação tem sido usada com assustadora competência por radicais de índole autoritária, difundindo, sem controle, conteúdos racistas, homofóbicos e xenófobos.

A relevância do tema salta aos olhos, com a revelação do Fantástico do último domingo de uma nova plataforma digital para adolescentes com conteúdo que envolve “tortura psicológica, importunação sexual, desafios que estimulam a automutilação e crueldade com animais”. O programa alertou os pais para os riscos do jovem entrar em contato com predadores sexuais ou com grupos extremistas para recrutá-lo e promover ideologias que fomentem ódio e atos violentos.

Esse é o pano de fundo que tenta justificar o projeto de lei das “fake news” para regular as redes sociais. Ele tramita no Congresso Nacional em regime de urgência, o que faz com que ele seja votado diretamente no plenário, sem passar por comissões.

O projeto de lei espelha-se na Lei de Serviços Digitais da União Europeia. Segundo a qual, a partir de agosto deste ano as 19 plataformas digitais passarão por auditorias anuais e respeitarão determinados procedimentos para combater a desinformação e o discurso do ódio. Quem não cumprir as normas pagará multa que pode chegar a 6% do seu faturamento. Terão ainda de expor seus algoritmos de funcionamento aos especialistas da Comissão Europeia.

A Alemanha, país pioneiro na regulamentação digital tem sido referência para os países da Europa e de outros continentes. Sua lei responsabiliza as redes sociais pelos conteúdos publicados em suas plataformas. Já a Unesco sugere que as redes sociais devem conter políticas de governança, práticas consistentes com os direitos humanos e submetidas a supervisão independente.

As grandes empresas de tecnologia –big techs- como Facebook, Google ou Twitter, têm preocupações com relação ao Projeto de Lei das Fake News.

Elas questionam sobre uma eventual violação da privacidade, uma vez que o texto exige que elas armazenem informações sobre as interações de seus usuários nas redes sociais por pelo menos seis meses, e temem que o projeto possa levar à censura de conteúdo na internet, pois prevê a criação de um conselho para avaliar denúncias de notícias falsas e desinformação, o que pode levar à remoção de conteúdo de opinião.

Outro temor é que o projeto de lei possa torná-las responsáveis por conteúdo gerado por terceiros. Isso implica na exigência de mudanças técnicas que podem ser difíceis e caras de implementar. E uma das maiores questões é que o projeto de lei não é claro o suficiente em termos de definir o que é uma notícia falsa ou desinformação.

Não cabe ao governo de plantão definir o que é desinformação e o que é opinião.

As redes sociais desempenham importante papel nas sociedades contemporâneas, na promoção da esfera individual, bem como na formação de laços comunitários e na democratização do debate político. Mas elas não podem ser o território do vale-tudo e da Lei das Selvas.

Toda a legislação que preservar a liberdade de expressão, proteger nossa democracia e preservar nossos jovens dos danos causados pela desinformação, será sempre uma conquista civilizatória. O problema é querer fazer tudo isso com demagogia e no afogadilho.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/5/2023. 

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