Uma justa homenagem

Meu irmão Floriano não era un regazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones, mas, como François Truffaut, amava as mulheres, os filmes e os livros – acho que nem ele mesmo saberia dizer em que ordem. Amava também os direitos dos homens, o trabalho, o direito e o Direito do Trabalho. O mundo do Direito do Trabalho prestou a ele, dias atrás, uma belíssima homenagem. Tenho certeza de que, lá da sua nuvem, ele adorou.

“Espero seguir o bom exemplo do desembargador Floriano Corrêa Vaz da Silva, pois desde o primeiro momento me identifiquei com sua história de vida, sua linha de pensamento, o modo como tratou a academia, a magistratura e os amigos”, disse a dra. Lorena de Mello Rezende Colnago em seu discurso de posse na cadeira número 11 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) – a cadeira que Floriano ocupava.

A posse da dra. Lorena – com a homenagem ao meu irmão – foi na abertura do IV Congresso Internacional de Direito e Processo do Trabalho, promovido pela ABDT, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Uma cerimônia solene, no belo auditório da AASP na Rua Álvares Penteado, com Hino Nacional, hino da Academia, transmissão ao vivo pela internet e a presença de dezenas de desembargadores, juízes e advogados – o universo em que Floriano viveu durante mais de seis décadas.

Toda a primeira parte do discurso da dra. Lorena foi, como é de praxe, uma saudação ao titular da cadeira da Academia que ela agora passa a ocupar. A nova acadêmica fez um belo apanhado da carreira de seu antecessor:

“Nascido em 22 de março de 1934 em Piumhi, Sudoeste de Minas Gerais. bacharel em Direito pela UFMG. Aprovado em 3º lugar no III Concurso de Juiz Togado no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. que abrangia, os Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso.

Após um ano como substituto, inaugurou em 1962 a Vara do Trabalho de Ponta Grossa no Estado do Paraná, onde esta acadêmica quase assumiu em sua 1ª designação, não fosse uma alteração da Corregedoria Regional para atender uma colega que estava em licença núpcias.

Permaneceu no Paraná até a década de 70 quando foi promovido a juiz da 16ª Junta de São Paulo.

Nesse período ajudou a fundar a Academia Nacional de Direito do Trabalho, esta academia tão festejada, integrando a cadeira 11.

Lecionou na Faculdade de Direito da USP, no Departamento de Direito Público e no Departamento de Direito do Trabalho.

Escreveu inúmeros artigos e participou de diversas obras coletivas, além de escrever a obra Direito Constitucional do Trabalho pela festejada Editora LTr.

Defensor intenso da democracia, da inserção das mulheres na vida acadêmica e na magistratura, como nos confidenciou sua cunhada, amiga e desembargadora Eneida Cornel, fato também relatado pela sua querida assessora e servidora da Presidência do TRT2, Sra. Ana Celina.

Dileto amigo, sempre com uma palavra de encorajamento para todas as pessoas – relato de nosso Presidente da ABDT e grande amigo, meu e do estimado desembargador Floriano, desembargador Valdir Florindo.

Tinha uma excelente memória. Nunca se esquecia de ninguém, conforme nosso Corregedor, desembargado Eduardo.

Nas palavras do Prof. Freitas, que chegou a ser aluno do Des. Floriano: era um professor que procurava interagir com os alunos, disponível até para as festas.

No Tribunal da 2ª Região foi duplamente Presidente: da AMATRA2 e do próprio Tribunal. Na presidência do Tribunal, nomeou a acadêmica Des. Yone Frediani para coordenar a Escola Judicial, recém criada. Nas palavras da confreira: nosso homenageado tinha uma enorme preocupação em investir na formação dos magistrados.

Acadêmico por excelência, ocupou a presidência da ABDT, quando fomentou a capilarização da Academia, fortalecendo sua nacionalização.

Sua memória jamais será esquecida. É o que prometo à sua dileta filha, Aglaia, que tanto me ajudou com os contatos e fotos este momento. Em seu nome, agradeço a toda família por me permitir realizar esta singela e calorosa homenagem.”

***

No telão atrás da mesa diretora dos trabalhos, presidida pelo dr. Antônio Carlos Aguiar, foi projetado um vídeo em homenagem ao primeiro ocupante da cadeira 11 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Diversas imagens do Floriano, uma bela mistura de momentos dele no trabalho e de lazer, com a família – estas fornecidas à dra. Lorena pela Aglaia, a segunda dos seis filhos dele com sua colega na Filosofia da UFMG e esposa por décadas, Marina.

Entre as diversas fotos, o vídeo incluiu um trecho de um depoimento dado pelo Floriano, que, imagino, tenha sido para a própria Academia ou para a seção de memória do Tribunal. Floriano estava muito bem no momento em que foi gravado. Estava à vontade, solto, sem a postura cerimonial e cerimoniosa que muitas vezes se exige dos profissionais da área do Direito, do Judiciário.

E é fascinante como ele coloca as coisas da maneira mais simples e objetiva possível. O enunciado pode até parecer simplório, prosaico, óbvio, um enumerado de truísmos. Pois é. A simplicidade às vezes é tanta que ofusca a percepção que as pessoas têm das coisas.

Ele diz que não pode haver, na Justiça do Trabalho, o parti pris, a tomada de partido de um dos lados, o do patrão ou do empregado. “Tem que ser caso a caso.” O trabalho do juiz não é fácil, é “um desafio terrível”, pois há todo o conjunto de elementos a ser observado, “as leis, os procedimentos, os recursos, etc, as objeções justas ou injustas dos advogados, as complexidades da legislação, tudo isso torna difícil que a decisão seja rápida, não seja demorada demais, e seja justa. O grande desafio é este: é fazer a justiça de forma correta, sem cometer injustiças ou cometer o mínimo possível, porque (…) já se percebeu, para os que têm mais idade ou mais experiência, já se percebeu que Justiça perfeita não existe. Porque tudo que é humano é imperfeito. Não somos perfeitos, não conseguimos fazer que as coisas sejam perfeitas, mas tentamos nos aproximar tanto quanto possível, ou pelo menos tanto quanto possível, de uma perfeição, ou pelo menos o tanto quanto possível de uma Justiça que seja isenta, que não tome partido, e que seja mais ou menos rápida. É uma tarefa dificílima.”

Uma Justiça que não tome partido, que não tenha parti pris.

Pois é: parece óbvio demais. E, no entanto, qualquer pessoa que tenha algum conhecimento, algum contato com a Justiça do Trabalho sabe muito bem que os juízes costumam ser divididos pelos advogados entre os “patronais” e os “pró-trabalhadores”.

Quando defendia uma Justiça que não tomasse partido, que não tivesse parti pris, meu irmão sabia muito bem do que estava falando.

Falava de “uma tarefa dificílima”.

***

Foi extremamente gratificante – e, claro, tocante, emocionante – assistir à cerimônia com a homenagem ao Floriano. E ver como ele era uma pessoa respeitada, admirada, benquista pelos seus pares. Não que isso fosse novidade, é claro. A gente sabia disso – mas estar ali no meio daquelas pessoas, ver, sentir aquilo, ah, claro que é emocionante.

Estávamos lá apenas Aglaia e eu. Foi, para nós, de fato uma experiência emocionante. E foi uma grande pena que a família não tivesse se organizado, se preparado para ter mais representantes ali naquele auditório. Meu irmão Geraldo, ele próprio um nome de grande destaque na Justiça do Trabalho do Paraná, um dos mais antigos e mais conceituados advogados da área no Estado – se não o mais de todos. Que foi levado para o Direito do Trabalho, é claro, pelo Floriano, o primogênito dos filhos de Dona Maria da Conceição e Seu Floriano Vaz da Silva. A mulher dele, Eneida Cornel, que chegou a conviver por um breve período com a dra. Lorena, como ela citou em seu discurso – Eneida, como o Floriano, foi juíza do Trabalho e depois desembargadora de TRT, o do Paraná. Os outros filhos, Sérgio, Flávia e José César, que, cada um por um motivo, não puderam comparecer. Marina, a mãe deles; me arrependi de não ter insistido para que ela fosse conosco. Fernanda, a sobrinha dele, minha filha, minha marafilha, que, como os dois tios, tomou o rumo do Direito, embora não do Trabalho. Mary, a cunhada de quem ele se orgulhava e para quem era todo elogios.

Deveríamos ter tido uma imensa delegação, lá na sede da AASP na Rua Álvares Penteado, para sentir a emoção toda e o orgulho que Aglaia e eu sentimos pelo Floriano.

O texto ficou pessoal e emotivo – mas, diabo, como evitar?

Me consola o fato de que discurso de posse na cadeira 11 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho também foi pessoal e emotivo.

Floriano teria ficado fã dessa moça.

29/5/2023

Um P.S.: O título deste post é de autoria da cunhada do Floriano. Eu não sabia por onde, perguntei o que ela achava – e ela me presenteou com aquele lá.

6 Comentários para “Uma justa homenagem”

  1. Uma bela história de vida e dedicação à Justiça a do dr. Floriano Corrêa Vaz da Silva, narrada por seu irmão, o jornalista Sérgio Vaz. Como se vê, uma família de muito talento.

  2. Merecida homenagem Sérgio. Como disse, emotiva e pessoal, mas sem duvida, acolhida de uma imensa admiração. Sinto por não tê-lo conhecido. Um homem tão competente e especial.

  3. Que riqueza de vida e que belo legado deixou para os seis filhos e seus descendentes.
    Entendo porque sua sobrinha Fernanda Vaz hoje juiza tambem tinha tão claro ainda novinha frequentando o curso de direito, o desejo de ser juiza.
    Parabens pelo belissimo texto, foi um privilégio poder ler esse primor.

  4. Foi bom ler o texto, saber da justa homenagem trouxe-me várias e boas recordações.

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