Custa crer que alguém tome a defesa do invasor, mas é o que estão fazendo os chineses e os árabes, que agora contam com o apoio de um outsider que não tem nem nunca teve nada a ver com a história de dois vizinhos vivendo às turras há séculos.
O fim da guerra fria é uma ficção. E este é um episódio dantesco dessa mesma ficção. Depois da falência do império soviético, a Rússia não quer perder totalmente a hegemonia que teve sobre a Europa Central e Oriental durante séculos de governos czaristas despóticos e expansionistas. Nostálgicos, ex-agentes da ex-KGB hoje no poder e com apoio popular querem reviver um passado que se foi.
O palácio de Versalhes fica na França, não fica na Rússia. Que pena! Os russos não se conformam. Séculos atrás fizeram uma réplica em São Petersburgo, que está lá até hoje. Mas quiseram uma em Moscou também. O povo de São Petersburgo zombava dos moscovitas, então um lugarejo sujo e insignificante. A riqueza e a cultura estavam em São Petersburgo. Os moscovitas nunca se conformaram.
A história da Rússia é cheia desse não me conformo, um sentimento com o tempo transmutado para rancor e ódio. Na cabeça deles, a vizinha Ucrânia não podia estar de namoricos com a Europa Ocidental ali do lado, muito menos com a OTAN, arquirrival do Pacto de Varsóvia, há muito extinto, mas o que isso importa se podem chorar mais um pouco sobre o leite derramado?
É por causa desse “não me conformo” secular dos russos que a Ucrânia vê na Europa Ocidental um parceiro comercial seguro e na OTAN uma garantia de território ainda mais segura. Finlândia e Suécia já tomaram a providência. E outros estão na fila.
Os russos estão se isolando do mundo. Por quê? Porque querem, ué. Estão sentados num paiol nuclear com capacidade de mandar o mundo pelos ares dezenas de vezes. Querer é poder. E poder é querer. Mas é um destino isolacionista que a China não quer para eles, e agora também o Brasil. A China por motivos comerciais e geopolíticos, o Brasil ninguém sabe por quê.
O que se sabe, e se viu, foi o Itamaraty rebolando para desfazer o mal-estar na Casa Branca e na Europa, produzindo um texto escrito para Luiz Inácio ler em público (ante o presidente visitante da Romênia) desdizendo o que dissera.
O que foi de muita valia para o Luiz Inácio candidato mantém-se para o Luiz Inácio presidente: em boca fechada não entra mosca. Nem sai bobagem. Se quiser mediar um conflito, esse é um conselho milenar que ainda hoje dá frutos. Mediador não fala nem dá opinião. Mediador não esculhamba o agredido nem faz fosquinha para o agressor. Mediador só pede calma e paz, cessar-fogo, aperto de mão e tapinha nas costas.
Nelson Merlin é jornalista aposentado.
20/4/2023