O risco de virar coadjuvante

A ampliação do Brics não foi um bom negócio para o Brasil. O país saiu da última reunião do grupo menor do que entrou. Ao lado da Índia, nos enquadramos entre os perdedores com o ingresso de mais seis países no bloco. A China tem muito a comemorar. Deu um passo importante para transformar o Brics em uma plataforma antiocidental, sobretudo porque bancou o ingresso do Irã, país teocrático e profundamente antiamericano. Os chineses preparam o bote para aumentar sua influência, sobretudo na África.

A Rússia também pode ser enquadrada entre os vencedores. Até pelo seu poderio bélico-nuclear, tende a formar com a China uma dupla hegemônica no Brics. Junto com o Irã, os três países formarão o núcleo duro antiocidente. O risco de nos tornarmos um sócio menor é real. Somos o único país cuja influência diminuiu, desde a formação do bloco, em 2009. O pragmatismo, uma marca registrada da política externa brasileira em outros idos, deu lugar a uma posição subalterna aos interesses geopolíticos dos chineses.

Lula até tentou dourar a pílula. Deu peso à menção no comunicado final do encontro sobre necessidade de reforma da ONU, o que abriria, teoricamente, a possibilidade da entrada do Brasil e de outros países no seu Conselho de Segurança. Apresentou também como trunfo brasileiro o ingresso da Argentina no Bloco. São duas quimeras difíceis de se realizar.

A concordância da Argentina de ingressar no Brics depende a essa altura de um quase milagre: a vitória do candidato peronista Sérgio Massa na disputa presidencial. Seus dois concorrentes que ficaram nas primeiras posições nas primárias argentinas, Javier Milei e Patrícia Bullirich, já deram declarações contrárias à entrada do seu país no bloco. Ambos se declaram “ocidentalistas”, dispostos a priorizar as relações com os Estados Unidos e a Europa.

Também não se vislumbra em um horizonte de no mínimo dez anos a ampliação do restrito clube de países com direito a veto no Conselho da ONU.  Essa é uma velha aspiração do chamado G-4, aliança entre Alemanha, Brasil, Índia e Japão.

Três países com direito a veto – Estados Unidos, Inglaterra e França – foram favoráveis, ainda na Guerra Fria, ao ingresso do G-4 no Conselho. Isso não aconteceu porque outros dois membros – China e Rússia – exerceram seu direito de veto. Caso a China queira bancar agora a reforma do Conselho da ONU, a tendência será que aconteça o mesmo, com sinal trocado. Estados Unidos, Inglaterra e França exercerão seu direito de veto.

A prudência recomenda ao Brasil operar com pragmatismo no interior do Brics, a exemplo do que faz a Índia. Esse país é membro do bloco, mas, ao mesmo tempo, é membro no indo-pacífico do grupo Quad – aliança informal entre Estados Unidos, Austrália, Japão e Índia -, cujo objetivo é fazer frente à influência econômica e militar da China na região. Recentemente a Índia estreitou as relações com os Estados Unidos também com o objetivo de contrabalançar o poderio dos chineses, com quem os indianos têm um contencioso histórico. Pragmático, o governo indiano também mantém boas relações com a Rússia, de quem compra petróleo a preços inferiores ao do mercado internacional.

O Brasil não tem contenciosos e esse é um ativo a ser utilizado em nosso favor. Pode, portanto, estabelecer excelentes relações com todos. É do interesse nacional ter uma atuação altiva e independente no interior do Brics e, ao mesmo tempo aprofundar as relações com os Estados Unidos e concretizar o acordo Mercosul-União Europeia.

A China é o nosso principal parceiro comercial. Os Estados Unidos são o segundo. Para nós, o Brics tem sentido, como um passo para a construção de um mundo multipolar. Sua transformação em plataforma antiocidente vai contra nossos interesses, pois não deveríamos tomar partido entre os dois polos da nova guerra fria.

Conspira contra uma postura pragmática o viés antiamericano e antiocidente da política externa do governo Lula, manifestado em episódios como a guerra de Putin na Ucrânia e na defesa de ditaduras como as da Venezuela, Nicarágua e de Cuba. Nos seus dois primeiros mandatos esse viés se manifestava na priorização das relações sul-sul. Agora ao “Sul Global”, em contraposição ao Ocidente.

Num rasgo de sincericídio, Celso Amorim, assessor de política externa de Lula, comemorou a ampliação do Brics como uma “alternativa ao G-7”. Foi corrigido pelo presidente. Mas é visível sua dificuldade de encontrar uma equidistância diante do antagonismo entre os Estados Unidos e a China. Nesse quadro, Amorim é mais do que um chanceler informal. Está para o governo Lula 3 assim como Marco Aurélio Garcia esteve para o Lula 1 e o Lula 2. É o verdadeiro formulador – e executor –  da atual política externa do país.

Agora ampliado com Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, outro traço comum nos Brics -e que deveria incomodar o Brasil- é que a maioria dos países da composição é de regimes antidemocráticos.

E é uma questão de tempo. Mais dia menos dia o Brics abrirá suas portas para novos membros. Quanto mais o bloco crescer, mais diluída será a influência do Brasil nele. Nossa economia sequer tem a pujança de uma Índia, cujo PIB cresceu 71% nos últimos dez anos. A Índia vem se qualificando para ser uma nova potência mundial, inclusive na corrida espacial, ao conseguir o feito de fazer uma nave pousar no polo sul da Lua.

Não temos o mesmo alcance. A economia brasileira patina há mais de dez anos e estamos dando às costas à parte do mundo que mais leva em conta a nossa grande vantagem comparativa, o meio ambiente. Como alertou o diplomata Rubem Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos, nossa política externa está avançando sem bases sólidas.

Ao abrir mão do pragmatismo nas relações externas, o Brasil de Lula corre sério risco de se tornar mero coadjuvante no Brics, ser irrelevante e se colocar como um satélite menor a orbitar em torno da China.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 30/8/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *