A Terra é redonda e não foi golpe

É duro, é triste demais, mas é preciso repetir algumas verdades básicas, fundamentais, óbvias – mas que negacionistas de todos os matizes se recusam a aceitar. Tipo: a Terra é redonda. A água corre para baixo. Jabuti não sobe em árvore. Cloroquina não cura Covid 19. Vacina salva vidas e não faz ninguém virar jacaré. O sistema eleitoral brasileiro é absolutamente confiável. Não houve golpe: Dilma sofreu um impeachment absolutamente legal, seguindo todos os ritos da Constituição e das leis.

Como Lula e os petistas há anos mentem que foi golpe, como Lula aproveitou uma decisão técnica de um tribunal para dizer que Dilma foi “cassada de forma leviana” – distorcendo a verdade dos fatos e agredindo as instituições da República igualzinho Jair Bolsonaro fazia quando falava das urnas eletrônicas –, os três principais jornais do país se sentiram obrigados a repetir, mais uma vez, que a Terra é redonda.

“Ao distorcer o conteúdo de decisão judicial para reeditar a historieta do golpe, Lula ofende o Congresso e o Judiciário – e alimenta a ideia de que só é democrático o que lhe agrada”, escreveu O Estado de S. Paulo, na linha fina abaixo do título inteligente, brilhante, “A nova pedalada moral de Lula”.

“Ao questionar legalidade da deposição de Dilma, PT põe em xeque suas próprias credenciais democráticas” – essa foi a linha fina usada pelo Globo em seu editorial “A ninguém cabe reescrever história do impeachment”.

O título do editorial da Folha de S. Paulo foi curto e grosso: A Terra é redonda. Não, não, desculpe – poderia ter sido, mas não foi exatamente esse. “Não foi golpe”, titulou a Folha.

É difícil admitir que cerca de um terço dos eleitores deste país admire Jair Bolsonaro, um político que propaga o descrédito pelas instituições, ao mentir sobre as urnas eletrônicas, o Superior Tribunal Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.

É difícil admitir que cerca de um terço dos eleitores deste país admire Lula, um político que propaga o descrédito pelas instituições, ao mentir sobre um processo que passou pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e pelo Supremo Tribunal Federal.

Como dizia a canção de Pete Seeger, o lendário compositor da música folk americana: oh, when will they ever learn?

Quando é que eles vão aprender? (Sérgio Vaz)

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A nova pedalada moral de Lula

Editorial, O Estado de S. Paulo, 29/8/2023

O presidente Lula acha que o Brasil deve desculpas e reparações a Dilma Rousseff. Em entrevista durante sua passagem por Angola, referindo-se à decisão do Tribunal Regional da 1.ª Região (TRF-1) de arquivar uma ação de improbidade pelas “pedaladas fiscais”, Lula disse: “A Justiça Federal absolveu a companheira Dilma da acusação da pedalada”. A afirmação do presidente petista é mais uma tentativa de desinformar e confundir os brasileiros. O TRF-1 nem sequer avaliou o mérito da acusação, tampouco desautorizou a sentença do Congresso que condenou Dilma Rousseff por crime de responsabilidade em função das pedaladas fiscais.

A decisão do TRF-1 foi proferida em ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Dilma e integrantes de seu governo por valerem-se “dos altos cargos que ocupavam na direção do governo federal para maquiar as estatísticas fiscais com evidente propósito de melhorar a percepção da performance governamental e ocultar uma crise fiscal e econômica iminente, ao tempo em que comprometiam ainda mais a saúde financeira do Estado”. A acusação baseia-se em irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que depois, por unanimidade, reprovou o governo, determinando que 17 autoridades explicassem as práticas ilegais.

Como se sabe, o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff refere-se a esses mesmos fatos, em particular à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso e ao atraso nos repasses de recursos do Tesouro a bancos públicos para o pagamento de programas sociais. Autorizada sua abertura pela Câmara, o processo foi julgado pelo Senado, que condenou Dilma Rousseff por crime de responsabilidade.

Em 2022, a ação de improbidade foi arquivada pelo juízo de primeira instância. Ele não contestou a decisão do Congresso, antes reconheceu que a presidente Dilma já havia sido condenada por aqueles mesmos fatos no âmbito do processo de impeachment. Não cabia, portanto, uma dupla responsabilização, agora por meio da Lei de Improbidade Administrativa.

“Houve uma extinção da ação, sem resolução do mérito”, disse ao Estado a advogada Vera Chemim, mestre em Direito Público Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas. “Não é uma questão de inocentar, e sim de caráter formal e processual.” A decisão do TRF-1 simplesmente rejeitou o recurso do MPF que havia questionado o arquivamento em primeira instância.

Em vez de respeitar os fatos, Lula e o PT querem, no entanto, confundir a população, dando a entender que a Justiça teria declarado agora que as pedaladas fiscais não existiram. No conto petista, a decisão do TRF-1 seria a grande prova do golpe. “Entendo que cabe um projeto de resolução nesse sentido com base na decisão do TRF-1, que deixa claro que o impeachment foi uma grande farsa, que a história das pedaladas foi uma armação, literalmente um golpe”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao jornal Folha de S.Paulo. “O Brasil deve desculpas à presidente Dilma, porque ela foi cassada de forma leviana”, afirmou Lula.

A rigor, essa tentativa de distorção de uma decisão judicial por parte do PT é uma agressão às instituições democráticas. No processo de impeachment de Dilma Rousseff, não houve nenhum golpe. O Congresso aplicou a Constituição e as leis do País. E justamente porque foi uma condenação perfeitamente válida, a Justiça reconheceu agora que não cabia instaurar um novo processo pelos mesmos fatos.

Em vez de acolherem o conteúdo da decisão do TRF-1, Lula e seu partido preferem fabricar desinformação. E essa manobra não consiste meramente na invenção de uma versão irreal dos fatos, o que por si só é muito grave: afinal, Lula está usando um cargo público para distorcer a compreensão por parte da população de uma decisão da Justiça. Com a reedição da historieta do golpe, Lula e o PT desautorizam uma vez mais o exercício de uma atribuição constitucional do Congresso. Alimentam, assim, a equivocada ideia de que só é democrático o que lhes agrada.

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Não cabe a ninguém tentar reescrever história do impeachment

Editorial, O Globo, 30/8/2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em visita a Luanda, em Angola, que a Justiça Federal absolvera Dilma Rousseff da acusação que levara a seu impeachment em 2016 — popularizada pela expressão “pedaladas fiscais”. Por isso, disse Lula, o Brasil devia desculpas a Dilma, “cassada de forma leviana”. Imediatamente parlamentares petistas começaram a se mobilizar para aprovar no Congresso uma resolução restabelecendo o mandato de Dilma.

A iniciativa não tem cabimento. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) apenas arquivou uma ação por improbidade administrativa contra ela e integrantes de seu governo sem julgar o mérito, referendando decisão da primeira instância. O motivo para o arquivamento, diz a decisão, é que Dilma, pelo cargo que ocupava, deveria responder por crime de responsabilidade, não por ação de improbidade. Foi justamente por crime de responsabilidade que foi julgada no Senado. Um novo julgamento na esfera administrativa equivaleria, segundo os juízes, a reabrir uma questão jurídica sobre a qual o Senado já se pronunciara ao condená-la.

Ainda que Dilma estivesse respondendo a processo criminal pelas pedaladas e fosse absolvida, isso em nada mudaria o veredito do Senado. O ex-presidente Fernando Collor foi, depois do impeachment, absolvido na esfera penal pelo Supremo. E não houve efeito nenhum na decisão do Congresso sobre seu mandato. Isso porque os processos de impeachment têm natureza política. O objetivo da deposição do governante não é puni-lo, mas tão somente proteger o Estado da má gestão. Como se trata de decisão com componente político, não cabe — nem jamais caberá — recurso sobre um impeachment. Nas conhecidas palavras do jurista Paulo Brossard na clássica monografia sobre o tema: “As decisões do Senado são incontrastáveis, irrecorríveis, irrevisíveis, irrevogáveis, definitivas”.

Chamar de golpe o que aconteceu em 2016, como fazem os petistas, despreza a legitimidade das instituições que referendaram o impeachment de Dilma. Primeiro, do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu o rito do processo seguido no Parlamento, onde foi comandado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski. O rito seguiu estritamente o que diz a Constituição. Ao falar em irregularidade, Lula dá a impressão de que Lewandowski teria chancelado uma trama golpista, algo impensável.

Em seguida, do Tribunal de Contas da União, cujo trabalho de análise das contas públicas embasou as acusações contra Dilma, de crimes fiscais previstos na Lei do Impeachment. Por fim, do próprio Parlamento. O impeachment foi aprovado por um grupo heterogêneo de 367 dos 513 deputados (representando, apenas na votação nominal, 74,4% dos 57,4 milhões de votos para a Câmara) e por 61 dos 81 senadores (representando 74,9% entre os 155,1 milhões de votos ao Senado). Desrespeitar a vontade de parcela tão expressiva do Congresso equivale a desrespeitar o voto popular.

Lula e os petistas têm o direito de acreditar que as pedaladas não eram motivo para o afastamento de Dilma, mas isso é irrelevante. A instituição encarregada democraticamente de tomar a decisão pensou o contrário. A insistência do PT em tentar confundir a opinião pública chamando o impeachment de golpe só contribui para pôr em xeque seu próprio compromisso com as regras da democracia.

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Não foi golpe

Editorial, Folha de S. Paulo, 29/1/2023

O ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido, em dois julgamentos distintos no Supremo Tribunal Federal, de acusações da época em que governava o país, em temas que precipitaram o seu impeachment em 1992. Nem por isso se cogita rever o veredito do Congresso Nacional que o depôs ou oferecer-lhe recompensas.

O precedente vem à memória quando a confusão politiqueira entre os trâmites da Justiça comum, de um lado, e os procedimentos para os crimes de responsabilidade, do outro, irrompe no noticiário, por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O mandatário diz estar estudando oferecer reparação à ex-presidente Dilma Rousseff —não bastou a sinecura internacional com que a presenteou— em razão de uma ação que a acusava de improbidade administrativa pelas chamadas pedaladas fiscais ter-se mantido arquivada por decisão em segunda instância da Justiça Federal.

Pode-se discordar da utilização das manobras orçamentárias da então presidente como razão formal para cassar-lhe o mandato. Também é compreensível a crítica, adotada por esta Folha à época, à banalização do impeachment, uma espécie de bomba atômica institucional, para lidar com as crises políticas recorrentes da República.

Outra coisa, muito diversa e equivocada, é negar legitimidade ao processo e aos atores —o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal— que o conduziram.

A lei dos crimes de responsabilidade, que define os motivos pelos quais as casas legislativas podem processar e depor o presidente da República, é flexível a ponto de permitir o enquadramento de virtualmente qualquer governante. Basta, por exemplo, o juízo subjetivo de que ele procedeu “de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Não foi a tecnicalidade das pedaladas fiscais, de resto uma prática ofensiva ao Orçamento, que de fato derrubou Dilma Rousseff. Ela caiu porque a sua política econômica produziu recessão monstruosa no país. O PIB recuou 3,6% em 2015 e outros 3,3% no ano seguinte.

Nesse solo que se esfacelava, a inapetência parlamentar da presidente —incapaz de sustentar com a poderosa máquina federal um terço de apoio na Câmara dos Deputados— serviu de pá de cal.

A retórica de Lula pode até apontar para o contrário, mas na prática ele empurrou os artífices da patuscada econômica daqueles anos para a periferia de seu terceiro governo. Costura com o centrão uma maioria no Congresso Nacional.

Quem merece reparação pelos erros da gestão Dilma é o trabalhador brasileiro. Se Lula não repetir os erros de sua antecessora, contribuirá fortemente para isso

30/8/2023

Um comentário para “A Terra é redonda e não foi golpe”

  1. Nivelar Dilma e Lula a Bolsonaro é de um despropósito sem limites,até parece que FHC não fez inúmeras lambanças também… Bolsonaro é incomparável.

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