Nestes seus dois primeiros meses, o governo Lula 3 vem acertando em várias áreas.
Sem pretender abarcar todos os acertos já apresentados em tão pouco tempo, gostaria de no mínimo citar alguns deles.
Em menos de 60 dias, fez o Brasil deixar de ser pária e voltar a ser um país importante no cenário mundial. Diversas lideranças mundo afora atestaram que o Brasil voltou à cena. O presidente da República já visitou a vizinha Argentina e os Estados Unidos, o país já recebeu chefes de Estado e ministros da Alemanha, dos Estados Unidos, da França, de Portugal. Mesmo antes da posse Lula participou da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27).
Na área ambiental, promoveu uma mudança completa, de 180 graus. O Estado deixou de ser um destruidor para ser um defensor do ambiente, que é como tem que ser mesmo. A visita do assessor especial da Presidência dos Estados Unidos para o clima, John Kerry, seus contatos com a ministra Marina Silva, o compromisso de que o país mais rico do mundo participará do Fundo Amazônia – tudo isso foi a maior comprovação possível que o país agora está no caminho certo em relação ao ambiente. A própria reativação do Fundo Amazônia já havia sido um gol de placa.
A reação do governo à crise humanitária dos ianomâmis foi extraordinária.
Assim como foi a reação do governo aos ataques terroristas das hordas bolsonaristas às sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro. Reação forte, imediata. O presidente da República conseguiu, em questão de poucas horas, expor ao país e ao mundo o apoio firme dos presidentes do Legislativo e do Judiciário e todos os governadores de Estado à democracia e ao combate ao golpismo. Uma demonstração de união rara de se ver.
Diante de mais uma tragédia provocada pelas chuvas, desta vez no Litoral Norte de São Paulo, o presidente interrompeu a folga de carnaval, foi até a região, combinou providências com o governador e o prefeito de São Sebastião, o município mais atingido – os dois de partidos de oposição ao PT. Verdade que isso é o que tem que ser feito mesmo, é o mínimo que se espera, como escrevi aqui – mas, ao mesmo tempo, diabo, que maravilha ter um governo que, ao contrário do outro, faz o que tem que ser feito.
O Ministério da Saúde começou, nos últimos dias de fevereiro, uma campanha nacional para a vacinação; no lançamento da campanha, o próprio presidente se deixou fotografar ao ser vacinado pelo vice, que é médico, com a quinta dose contra a Covid. Mais um exemplo de correção de rota, curva em U, que deve ser reconhecida e aplaudida.
Às vésperas de se completar um ano da invasão do território ucraniano pelas tropas da Rússia, na quinta-feira, 23/2, o Brasil votou na ONU contra os invasores. Resolução pedindo “retirada imediata” das tropas invasoras teve 141 votos, Brasil inclusive. No governo anterior, o país se absteve de votar contra a Rússia. Pode-se argumentar que o próprio presidente Lula tem dado declarações dúbias sobre a questão – e ele de fato tem atitudes dúbias. Talvez por achar que pode acabar com a guerra e levar o Nobel da Paz, insiste em tratar invasor e invadido como co-responsáveis pela guerra. Mas o fato é que o Brasil votou na ONU corretamente, do lado certo.
E, também nos últimos dias de fevereiro, o governo acertou ao retomar a cobrança de impostos federais sobre combustíveis, que havia sido interrompida numa manobra absurda e abertamente eleitoreira do governo anterior em plena campanha eleitoral de 2022.
Ah, houve muita hesitação? O lado político do governo, as lideranças do PT tentaram de todas as maneiras bombardear o ministro da Fazenda Fernando Haddad? Sim, houve muita hesitação. Sim, o fogo amigo foi intenso. Não se conseguiu voltar a onerar os combustíveis na mesma proporção de antes, criou-se um imposto sobre exportação, forçou-se a Petrobrás a baixar o preço cobrado às distribuidoras, é verdade que aproveitando a queda do petróleo no mercado internacional – mas o fato é que venceu a posição sensata do Ministério da Fazenda.
Em artigo no Globo na terça-feira, 28/2, Merval Pereira escreveu: “O Brasil avançou na sua política de preservação ambiental em duas frentes importantes: hoje será assinado acordo com os Estados Unidos para cooperação no Fundo Amazônia, e ontem o governo decidiu retomar a cobrança de impostos federais sobre combustíveis. A gasolina será mais onerada que o etanol, dentro da visão de não incentivar a utilização de combustível fóssil.
“Vitória de Haddad nos combustíveis é sinal positivo”, festejou O Globo em editorial na quarta-feira, 1º/3. E começa assim o texto: “Nestes dois primeiros meses de governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem defendido posições sensatas na área econômica.”
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Eterno compilador, como dizia meu amigo Miltinho, já fiz aqui quatro compilações de artigos e editoriais com críticas aos erros que vêm sendo cometidos neste governo Lula 3 – e isso foi só o começo. Ainda virão muitos outros volumes da série “O maior inimigo do governo é Lula”. A série “Má notícias no país de Dilma” teve 160 volumes de compilações. Foi também imensa e intensa a série “Livrar o país de Bolsonaro”. Durante a campanha eleitoral de 2022, houve também várias compilações da série “Ou Lula ou o horror”.
Achei necessário registrar aqui um reconhecimento aos acertos do governo Lula 3. Mais que necessário – obrigatório. É uma questão moral.
Mesmo que, no meio dos elogios, sejam apontados problemas – porque, diabo, há problemas, e muitos, e sérios.
“Haddad começou na Fazenda sofrendo derrotas desnecessárias”, diz o editorial do Globo que elogia as posições sensatas que o ministro vem defendendo.
“Haddad ganhou o round, mas não terá trégua”, diz o título do artigo de Vera Magalhães no Globo desta quarta-feira, 1º/3.
Há problemas – mas, diabo, há acertos, e acertos absolutamente bem-vindos, que nos lavam a alma, depois de quatro anos de desgoverno, destruição e elogio à morte.
Que o eterno compilador aqui tenha muitos artigos e editoriais sobre acertos do governo Lula 3 para compilar.
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Passos importantes
Por Merval Pereira, O Globo, 28/2/2023
O Brasil avançou na sua política de preservação ambiental em duas frentes importantes: hoje será assinado acordo com os Estados Unidos para cooperação no Fundo Amazônia, e ontem o governo decidiu retomar a cobrança de impostos federais sobre combustíveis. A gasolina será mais onerada que o etanol, dentro da visão de não incentivar a utilização de combustível fóssil.
A retomada do Fundo Amazônia, sustado durante o governo Bolsonaro devido às políticas antiambientalistas, é um passo importante para o financiamento de ações de preservação da floresta e de combate às mudanças climáticas. Ele já tem como contribuintes a Noruega e a Alemanha.
O enviado especial para o Clima da Casa Branca, John Kerry, garantiu que as autoridades brasileiras “ficarão surpresas com a proposta” de doação dos Estados Unidos, que abriram mão da tradição de ajudar os países por meio da Usaid, agência americana para o desenvolvimento internacional, para aceitar contribuir com o Fundo Amazônia, gerenciado pelo BNDES, o banco público brasileiro de desenvolvimento.
No comunicado conjunto que será anunciado hoje, serão destacados os aspectos de cooperação tecnológica, proteção de floresta, investimentos que podem ser feitos em bioeconomia, hidrogênio verde, além da abertura de mercado. O acordo de cooperação assinado em 2015 com os Estados Unidos está sendo atualizado com esses temas.
O plano de contenção do desmatamento da gestão da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ficará pronto em abril, enquanto o ministério atua em várias frentes, como a crise dos ianomâmis, com força de trabalho reduzida pela gestão anterior. O Ibama tem hoje apenas 700 funcionários, quando tinha 1.700. O ministério tem hoje 53% do número de funcionários de antes. O desmatamento na Amazônia, que bateu recorde em fevereiro, já estava contratado, explica a ministra Marina Silva:
— Não se pode reverter isso em dois meses.
No mês de janeiro houve queda do desmatamento.
— Não me empolguei porque sabia que tinha muita nuvem.
Agora foi registrado o desmatamento real, quando as nuvens se dissiparam.
— É como mudar a rota de um transatlântico que vem em velocidade. Não dá para fazer isso da noite para o dia.
Por essas razões o anúncio da adesão dos Estados Unidos ao Fundo Amazônia é considerado fundamental, como força gravitacional para incentivar outros países a aderir.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, obteve uma vitória econômica, mas sobretudo política, com a decisão do presidente Lula de retomar a taxação federal dos combustíveis. Desde o início do governo, Haddad lutava contra a desoneração, decidida por Bolsonaro durante a campanha presidencial, num movimento populista que visava à obtenção de votos.
Justamente por isso, Haddad perdeu a primeira batalha, pois a parte política do governo petista temia que Lula perdesse apoio popular. A decisão, correta do ponto de vista econômico, trará dividendos políticos no médio prazo. O aumento de combustíveis atingirá parte da classe média, motoristas de táxi e vários outros serviços. Num momento em que a situação fiscal é precária, subsidiar o preço do combustível, especialmente o fóssil, é absurdo, porque atinge parte pequena da população, embora ela tenha voz, com capacidade de repercussão.
O sinal do governo neste momento é que não fará política com a economia, o que é bom. Do ponto de vista político, Haddad mostrou que tem apoio do presidente Lula, o que era uma dúvida devido à posição da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e de diversos líderes políticos, que pensavam apenas na impopularidade da medida. Se perdesse de novo, seria uma indicação muito ruim e teria consequências na área econômica, no mercado de capitais.
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Vitória de Haddad nos combustíveis é sinal positivo
Editorial, O Globo, 1º/3/2023
Nestes dois primeiros meses de governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem defendido posições sensatas na área econômica. Tal postura o tornou alvo de fogo amigo de petistas. O árbitro da disputa é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A volta da cobrança de tributos federais sobre gasolina e etanol a partir de hoje é a segunda vitória de Haddad em questão de semanas (a outra foi o adiamento na revisão de metas de inflação). É certo que foi uma vitória parcial, pois os impostos não foram 100% restaurados e, para compensar, a Petrobras promoveu redução de preços e na distribuição de dividendos, deixando parte da conta para seu acionista. Mesmo assim, se Lula tiver passado a escutar com mais atenção quem escolheu para chefiar a equipe econômica, será uma ótima notícia para o país.
Haddad começou na Fazenda sofrendo derrotas desnecessárias. Logo no dia 2 de janeiro, Lula prorrogou por Medida Provisória a desoneração de impostos sobre os combustíveis, medida eleitoreira e demagógica tomada em 2022 pelo então presidente e candidato Jair Bolsonaro. Enquanto se esforçava para dar credibilidade ao governo na economia, escolheu o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, como bode expiatório. Seus ataques à independência do BC e às metas de inflação geraram ruído e incerteza, tornando mais difícil o trabalho de Haddad. Outro revés aconteceu na definição do ajuste do salário mínimo. Preocupada com os efeitos nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Fazenda era favorável a um aumento menos generoso que os R$ 1.320 aprovados por Lula.
A ala política do governo insistia em manter a desoneração dos combustíveis, para evitar desgaste diante da opinião pública. Haddad sempre manifestou preocupação com a arrecadação e com os riscos fiscais iminentes. Numa espécie de corrida de recuperação, parece estar conseguindo convencer seu chefe. Não houve mudança nas metas de inflação na última reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) em fevereiro. Mesmo com ataques públicos à reoneração por figuras como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula não deixou de ouvir e de atender à demanda de Haddad.
Associada à criação de um imposto sobre exportação de óleo bruto, a decisão renderá R$ 28,9 bilhões aos cofres públicos, quantia crucial para o ajuste fiscal. A desoneração era uma medida socialmente injusta, por beneficiar donos de automóvel e incentivar o consumo de combustíveis fósseis, danosos para o ambiente. Numa iniciativa sensata, o governo reonerará o etanol em patamar inferior à gasolina — 8% ante 68% —, medida compatível com uma gestão ambientalmente responsável.
Em dois meses, o governo perdeu tempo e energia com questões desnecessárias e tornou públicas suas divisões. O fato de Lula passar a ouvir mais Haddad é um alento. Se o ministro da Fazenda continuar a seguir o caminho da razão e contar com o apoio do presidente, a economia brasileira só terá a ganhar.
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Haddad ganhou o round, mas não terá trégua
Por Vera Magalhães, O Globo, 1º/3/2023
Fernando Haddad ganhou um round com a reoneração dos combustíveis. Depois de ser contrariado com a demora da volta da cobrança dos tributos, que pretendia restabelecer no início do ano, e com a forma como Lula e o PT passaram a travar a discussão sobre política de juros, autonomia do Banco Central e metas de inflação em cima do caixote, desta vez ele conseguiu defender o território do novo ataque especulativo vindo da ala política do governo e do partido.
Por mais que tenham sido anunciadas atenuantes para o impacto da volta dos impostos sobre o bolso dos consumidores/eleitores, e, consequentemente, sobre a popularidade de Lula, prevaleceu a visão do ministro da Fazenda de que é preciso começar a recompor a arrecadação e de que seria um erro chancelar uma política eleitoreira de Jair Bolsonaro tão criticada pelo próprio presidente e pelo PT na campanha. Ponto para ele.
Agora, Haddad precisa aproveitar o fôlego para articular a aprovação de suas propostas de longo prazo no Congresso. E, para isso, precisará contar com a ajuda, e não o boicote, da ala política. Conta a favor dessa nova fase o fato de Alexandre Padilha, responsável por construir a governabilidade de Lula, não fazer parte do fogo amigo contra ele. Pelo contrário: atuou como bombeiro. Tem de ser “cooptado” como aliado da equipe econômica no Planalto contra a narrativa que ganha espaço em setores do PT começando a pintar o titular da Fazenda como “um aliado do rentismo” no governo, como cheguei a ouvir de um correligionário dele.
Essa fritura tem o objetivo de substituir Haddad por alguém mais afinado com a visão de que os juros precisam cair rapidamente e a política de metas de inflação mudar radicalmente, bem como a política de preços da Petrobras. Haddad é defensor de um gradualismo responsável nessas mudanças, quando não contrário a algumas das fórmulas desse receituário desenvolvimentista.
Para ser vencedor ao final da partida, e não só num lance, precisará mostrar que o caminho que traçou para retomar o crescimento, dissipar as desconfianças e permitir uma queda consistente dos juros terá respaldo de quem tem voto, deputados e senadores.
Esse caminho inclui o minipacote de aumento da arrecadação apresentado no início do ano, o novo marco fiscal e a reforma tributária. Aprovar tudo isso exigirá, forçosamente, que o governo conquiste a parcela do Centrão que não é bolsonarista, e não mais acenos à esquerda, como vem buscando de forma estridente o comando do PT, com ecos em integrantes da ala palaciana do Executivo.
Haddad tem dito a aliados que o substituto do teto de gastos já está desenhado em sua equipe e será apresentado no mês que agora se inicia. A reforma tributária seria mais fácil, por estar relativamente madura junto aos congressistas e demais atores e porque Bernard Appy, um dos “pais da matéria”, integra seu time.
Acontece que ainda está muito difícil ler a correlação de forças no Congresso. Flopou a tentativa de agregar o União Brasil à base. Os três ministros da sigla não contam como um em termos de aval das bancadas da Câmara e do Senado, além de estarem sob ataque de todo lado e balançando nos galhos.
O pior do episódio da fritura de Haddad na questão dos combustíveis foi ter deixado no ar a impressão de que Lula, se não incentivou, ao menos deixou correr solto o tensionamento público feito pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Se se importar com o sobe e desce das pesquisas de popularidade numa largada tão complexa como a deste governo, Lula tem grande chance de “dilmar”.
Os afoitos que esquentam a orelha do presidente contra o ministro, que — não custa lembrar — ele escolheu pessoalmente, não levam em conta todas as variáveis complexas, a começar pelo bolsonarismo nem tão latente da sociedade e do Congresso.
1º/3/2023