Um ministro teve a idéia genial de fazer as companhias aéreas venderem passagens a R$ 200,00. Outro teve a idéia genial de tabelar os juros dos empréstimos consignados em 1,7%. Levaram bronca do presidente Lula em reunião ministerial: era para os ministros pararem de anunciar genialidades antes de consultar o núcleo do governo.
Legal, bacana – mas quem é que vai mandar o próprio Lula parar com suas genialidades?
E olha que Lula tem sido pródigo em genialidades, nos últimos dias:
* acusou o Departamento de Estado dos Estados Unidos de ter feito conluio com a Lava Jato para prejudicar as empreiteiras brasileiras em licitações internacionais;
Ah, o imperialismo ianque…
* decretou, do alto de seus diplomas de doutor no tema, que “os livros de economia estão superados”;
* disse que a privatização da Eletrobrás foi crime de lesa-pátria e anunciou que seu governo vai à Justiça contra esse crime;
* resolveu trazer de volta o fato de que, enquanto esteve preso na Polícia Federal em Curitiba, dizia que “só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro” e “eu estou aqui para me vingar dessa gente”.
Bem, ele também afirmou que esse negócio de plano de atentados do PCC, a maior facção do crime organizado do país, é “armação do Moro” – mas sobre essa genialidade não se vai falar aqui, além desse rápido registro. Essa genialidade merece um post específico.
Pois é: quem vai chegar para Sua Excelência e sugerir que ele está se prejudicando, e prejudicando seu governo, com tanta genialidade?
Malu Gaspar escreveu um belo artigo no Globo ndesta quinta-feira, 23/3, com o título de “As genialidades de Lula”. No artigo, ela faz, com esmero, esse raciocínio que tentei resumir aí acima – lembra que Lula deu um chega pra lá nos ministros que anunciam genialidades, e enumera as genialidades do próprio presidente:
“Embora ninguém vá dizer em público, nos bastidores o que não falta é auxiliar e aliado de Lula exasperado. A questão, porém, permanece insolúvel. Quando Lula passou um pito em seus ministros, eles tiveram de se emendar. Já as genialidades de Lula, não há quem segure, e quem mais perde com isso é o próprio governo.”
Na mesma quinta-feira, 23/3, tanto O Globo quanto O Estado de S. Paulo abordaram, em editorial, especificamente a genialidade de Lula sobre a privatização da Eletrobrás.
O Globo diz:
“Não tem cabimento a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que pretende entrar com ação na Justiça para que o Estado retome o controle da Eletrobras, privatizada no ano passado. (…) Lula descreve a privatização como ‘loucura’, mas insanidade era a Eletrobras nas mãos do Estado, em especial nas administrações do PT. (…) Ao levantar a questão, Lula apenas semeia insegurança no estratégico mercado de energia e cria ainda mais turbulência na gestão da economia.”
Turbulência na gestão da economia – essa parece ser a genialidade preferida de Lula no seu terceiro mandato, aos 77 anos de idade.
O ministro Fernando Haddad se esforça, se desdobra, se supera. Sua atuação tem sido absolutamente correta, sensata, calma, ponderada. Mas de que adianta, se ele é um oásis de calma nesse governo nervoso, briguento, raivoso, vingativo e muitas vezes simplesmente, genialmente desmiolado?
O Estado de S. Paulo diz:
“É impressionante o quanto Lula tem trabalhado contra si mesmo e seu próprio governo. Em vez de aproveitar o início de seu terceiro mandato para articular uma maioria parlamentar e aprovar a âncora fiscal e a reforma tributária, o presidente perde tempo com uma verborragia que só contribui para afastar investidores, aumentar o risco associado ao setor elétrico e ampliar incertezas no cenário econômico como um todo. Um presidente assim nem precisa de oposição.”
Esta aqui é a quinta compilações de artigos e editoriais com críticas aos erros que vêm sendo cometidos neste governo Lula 3. (Já houve uma sobre os acertos; gostaria imensamente de poder fazer outras como ela.) Reuni aqui as íntegras dos dois editoriais e do artigo de Malu Gaspar.
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Rever venda da Eletrobrás é idéia sem cabimento
Editorial, O Globo, 23/3/2023
Não tem cabimento a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que pretende entrar com ação na Justiça para que o Estado retome o controle da Eletrobras, privatizada no ano passado. Ela é contrária ao interesse do país por, pelo menos, dois bons motivos. Primeiro, há uma questão prática. As chances de sucesso são ínfimas. A privatização foi aprovada pelo Congresso Nacional e chancelada pelo TCU. Segundo, há uma questão de mérito. A reestatização tornaria a empresa de novo um cabide de empregos, com baixa capacidade de investimento e alta vulnerabilidade a interferências políticas. Seria, ao contrário do que diz Lula, péssimo para o Brasil.
Lula descreve a privatização como “loucura”, mas insanidade era a Eletrobras nas mãos do Estado, em especial nas administrações do PT. Quando o governo Michel Temer deu início à preparação da empresa para ser privatizada, os funcionários somavam 26 mil. Quando o controle passou a investidores privados, caíram para 12 mil. Em fevereiro, cerca de mil foram demitidos, e há ainda 1.500 inscritos no plano de desligamento voluntário. Quando concluída, só essa redução de 2.500 na força de trabalho gerará economia de R$ 95 milhões mensais. Quem pagava a conta de todos os empregos públicos desnecessários mantidos por décadas? Nós, contribuintes.
Nas mãos da iniciativa privada por poucos meses, a Eletrobras já retomou investimentos que andavam paralisados. Ao todo, R$ 5,6 bilhões foram aplicados em 2022, 20% a mais que na comparação com 2021. A expectativa é que esse valor cresça nos próximos anos para R$ 14 bilhões, patamar impossível de alcançar quando a empresa era estatal. Não há como o investimento público — consumido por demandas mais relevantes como educação, saúde ou combate à miséria — competir com o capital privado.
Em 2016, o endividamento era tão alto que a Eletrobras só não corria o risco de entrar em recuperação judicial porque a União bancava as perdas. Se continuasse estatal, sua participação de mercado derreteria ao longo dos anos. Longe de leilões de energia por muito tempo, ela agora volta a competir para crescer na comercialização. Neste ano, o foco será em transmissão, segundo declarações dadas pelo presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior. O próximo leilão está previsto para junho e oferecerá projetos em Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.
Mesmo defensores da privatização da Eletrobras reconhecem que ela não ocorreu sem problemas. O principal ficou conhecido como “jabuti das térmicas”. Congressistas favoreceram empresários do setor do gás e incluíram na lei a obrigação de instalar termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia. Foi um erro, mas não justifica rever uma privatização de sucesso. Ao levantar a questão, Lula apenas semeia insegurança no estratégico mercado de energia e cria ainda mais turbulência na gestão da economia. Ele deveria esquecer o assunto e, se for adiante, o Supremo tem o dever de zelar pela sensatez.
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Militantes do atraso
Editorial, O Estado de S. Paulo, 23/3/2023
O governo estuda uma forma de retomar os mandos e desmandos sobre a Eletrobras. Com pouco mais de 40% dos papéis da empresa, a União detém hoje 10% do poder de voto nas assembleias, conforme definido no estatuto da companhia, limitação que vale para todos os demais acionistas e que foi fundamental para viabilizar sua privatização. Na avaliação do presidente Lula da Silva, no entanto, isso seria um “crime de lesa-pátria”.
“Eu espero que um dia, se a gente tiver condições, a gente volte a ser dono da maior empresa de energia que esse país já teve”, disse Lula, em entrevista ao portal Brasil 247. Para concretizar esse plano, o governo analisa apresentar uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que o limite de 10% para o poder de voto da União fixado no estatuto é inconstitucional, segundo noticiou o jornal O Globo.
A atitude é lamentável e inconsequente, mas não surpreende. Ainda na campanha eleitoral, Lula deixou claro não se conformar com a privatização da Eletrobras, posição que ele, enquanto candidato, tinha todo o direito de explorar. Como presidente, no entanto, Lula parece perdido e muito mal assessorado, pois essa estratégia embute inúmeros equívocos.
Em primeiro lugar, trata-se de explícita quebra de contrato. A privatização da Eletrobras seguiu um modelo consagrado conhecido como corporation, que se baseia justamente no fato de não haver um dono para comandar a empresa. Essa configuração, vista como uma forma de proteger a companhia de ingerências políticas, foi essencial para trazer novos investidores ao negócio, inclusive trabalhadores que aplicaram parte de seu FGTS confiando nesse processo.
A União não foi lesada, mas muito bem remunerada para deixar de cometer atos que causaram prejuízos bilionários à Eletrobras, sobretudo durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Porém, se ainda assim o governo quiser retomar o controle da empresa, há alternativas previstas no próprio estatuto. Basta abrir o cofre e pagar aos acionistas o triplo do valor das ações, drenando recursos em detrimento de outras políticas públicas nas áreas de educação, saúde e de transferência de renda, por exemplo.
Nem parece que foi o mesmo Lula que instou lideranças a contribuírem para o fim da judicialização da política. Em reunião realizada com governadores no fim de janeiro, o presidente pediu a eles que parassem de recorrer ao Judiciário para invadir competências do Legislativo. Se ouvisse a si mesmo, o presidente deveria propor a alteração do estatuto da Eletrobras ao Congresso, correndo o risco de sofrer uma derrota acachapante. Se não o faz, é somente porque sabe que a privatização da companhia é fato consumado e que suas bravatas não mobilizam ninguém além dos membros de seu próprio partido.
A proposta que permitiu a capitalização da companhia foi aprovada por ampla maioria no Legislativo. Como alertamos neste mesmo espaço, longe de ser a melhor alternativa, o texto recebeu inúmeros jabutis, entre os quais o que obriga a construção de termoelétricas em locais onde não há reservas de gás, gasodutos ou linhas de transmissão para escoar a energia até os centros de consumo.
Viabilizar essas usinas no interior do País, em vez de construí-las na costa, próximas das reservas e da carga, é um exemplo de projeto caro e ineficiente, mas contra esse aspecto perverso da privatização da Eletrobras o governo Lula não se insurgiu. Pelo contrário: tudo indica que pretende obrigar outra estatal, a PPSA, a construir, operar e manter gasodutos, um projeto que o setor estima que possa desperdiçar até R$ 120 bilhões.
É impressionante o quanto Lula tem trabalhado contra si mesmo e seu próprio governo. Em vez de aproveitar o início de seu terceiro mandato para articular uma maioria parlamentar e aprovar a âncora fiscal e a reforma tributária, o presidente perde tempo com uma verborragia que só contribui para afastar investidores, aumentar o risco associado ao setor elétrico e ampliar incertezas no cenário econômico como um todo. Um presidente assim nem precisa de oposição.
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As genialidades de Lula
Por Malu Gaspar, O Globo, 23/3/2023
Já entrou para a história do terceiro mandato de Lula a carraspana que ele passou nos ministros para que parassem de anunciar “genialidades” em nome do governo sem combinar com ninguém. “É importante que nenhum ministro ou ministra anuncie publicamente qualquer política pública sem ter sido acordado com a Casa Civil, que é quem consegue fazer com que a proposta seja do governo.”
O que irritou Lula naquele dia foi a proposta do ministro Márcio França, dos Portos e Aeroportos, de vender passagens aéreas a R$ 200 para aposentados e servidores públicos — que, além de não ter sido combinada, também seria de difícil execução.
Depois foi o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, que resolveu baixar na marra os juros do empréstimo consignado para aposentados a um patamar inviável para os bancos, que simplesmente suspenderam o crédito.
Desde então, o próprio Lula produziu algumas genialidades. Em entrevista ao portal 247, na terça-feira, ele disse que a privatização da Eletrobras foi um crime de lesa-pátria. “Você privatizou uma empresa daquele porte e utilizou o dinheiro para quê?”, falou. “Eles venderam por R$ 36 bilhões, o dinheiro foi usado para pagar a dívida pública, e não há sinal que o preço da energia vai baixar para o povo.”
Lula anunciou também uma medida que ainda estava em discussão no governo: entrar na Justiça para reverter a cláusula do estatuto da companhia que limita o poder de voto de qualquer acionista da empresa a 10%. O objetivo é retomar o poder de votar nas assembleias com os 42,5% de participação que o governo tem.
Só que, assim como no caso do consignado e das passagens, uma coisa é o que se quer, outra bem diferente é o que se pode fazer. A regra que Lula quer derrubar está na lei da privatização aprovada no Congresso e chancelada pelo Tribunal de Contas da União no ano passado, depois de negociações longas e complexas.
Nela, senadores e deputados impuseram à Eletrobras a obrigação de investir R$ 8,75 bilhões na revitalização do Lago de Furnas (arena eleitoral de Rodrigo Pacheco), do Rio São Francisco (no Nordeste de Arthur Lira e Renan Calheiros) e no barateamento da energia na Amazônia Legal, reduto de Eduardo Braga.
Se Lula insistir em recorrer ao Supremo para conseguir o que Congresso não lhe dará, gerará ainda mais tumulto e prejuízo para o próprio governo. Aliás, já está gerando. Desde 4 de novembro, quando atingiram seu maior valor, as ações da Eletrobras caíram quase 30%.
A fatia do governo na empresa, que chegou a valer R$ 50 bilhões, agora é de R$ 30 bilhões. Sem contar os 370 mil trabalhadores que empenharam seu FGTS na companhia e estão vendo seu capital derreter.
Noutro momento da entrevista ao 247, Lula disse que, durante o tempo em que ficou preso em Curitiba, respondia aos procuradores que o visitavam: “Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro”. E contou que ainda dizia: “Eu estou aqui [na prisão] para me vingar dessa gente”.
Todo mundo que assistiu entendeu que o presidente se referia a um fato de anos atrás, não ao presente. Mesmo assim, a declaração foi um tiro no pé. Pelo palavrão, por contrariar o tom de “o amor venceu” da campanha e por levantar a bola para o ex-juiz Sergio Moro (União-PR), que andava esquecido até mesmo pela direita.
No dia seguinte, a Polícia Federal desbaratou um plano para matar o próprio Moro e o promotor paulista Lincoln Gakiya. A ação da PF, que poderia ter ganhado destaque por atuar de forma republicana, impedindo o ataque a um inimigo político de Lula, acabou dando munição a uma onda suja de fake news de que ele pudesse ter algum tipo de conluio com o crime organizado.
Para completar, no final da tarde de ontem, o Banco Central anunciou que manterá a taxa de juros em 13,75%. O recado implícito na decisão é que a ofensiva do presidente contra o BC e a indefinição sobre qual será o novo arcabouço fiscal causam instabilidade na economia e inviabilizam uma queda neste momento.
Aí, também, a genialidade se voltou contra o presidente. Por mais que Lula não goste, hoje o BC é autônomo, não há nenhuma predisposição do Congresso para mudar isso e, sem um modelo de contenção do gasto público, fica bem mais difícil derrubar os juros, ainda mais num cenário externo de crise bancária.
Embora ninguém vá dizer em público, nos bastidores o que não falta é auxiliar e aliado de Lula exasperado. A questão, porém, permanece insolúvel. Quando Lula passou um pito em seus ministros, eles tiveram de se emendar. Já as genialidades de Lula, não há quem segure, e quem mais perde com isso é o próprio governo.
24/3/2023
Esta é a quinta compilação da série “O maior inimigo do governo é Lula”.
De volta ao passado, a bordo do trem-bala.
A foto é reprodução do UOL Notícias.
Um comentário para “O criador das turbulências”