Juros escorchantes

O presidente Lula tem razão em sua batalha contra os juros altos. A autoridade monetária precisa ouvir que não temos inflação de demanda, que não temos uma economia aquecida que necessite de um golpe de juros para reduzir a alta dos preços. A inflação dos últimos anos veio de fora, pelas commodities importadas a preços elevados, em função da pandemia, e pela alta do dólar no mundo.

Também houve gastos absurdos e inconstitucionais do governo para o napoleão de hospício ganhar a eleição presidencial. Isso tem um preço, que já estávamos pagando e o Banco Central quer eternizar.

Mas vamos por partes. Na conjuntura atual, os juros na lua só pioram a situação e realimentam a inflação. Já vimos isso acontecer no passado mais distante, quando houve inflação de demanda. Depois de um certo tempo de juros altos, esse custo acaba indo para os preços e tudo fica mais caro, ao contrário do que a autoridade monetária queria. Não se pode ficar muito tempo com os juros nas alturas, sob o risco de quebrar toda a economia, em proveito dos bancos.

Quando a inflação é de oferta, como agora, os juros altos jogam gasolina na fogueira. Isso é elementar. Nessa altura do campeonato, com juro real ao redor de 8%, o mais alto em todo o planeta, o Banco Central deveria estar baixando os juros, justamente o contrário do que andou fazendo. Ao longo do ano passado vinha aumentando, chegando ao pico de 13,75% em agosto. E agora, com inflação anual passada de 5,79%, mantém os juros no mesmo pico. Não tem explicação racional para isso.

A única explicação é ideológica: o BC aumentou os juros durante o ano passado para não deixar a inflação explodir em ano eleitoral no qual o napoleão queria se reeleger – e para tanto ele e Guedes não hesitaram em furar o teto de gastos como um queijo suíço. Agora, mantém o juro no mesmo patamar para, das duas uma: parecer que age, digamos, cientificamente, ou para sabotar o novo governo. Fico com a segunda. O BC rasga a fantasia quando “justifica” que há incertezas sobre o futuro. Ora, eu nunca soube que o futuro fosse certo, reto e sabido. O futuro é, por natureza, incerto, torto e não sabido, e nem por isso temos que mandar ou manter os juros na lua para nos defendermos das incertezas.

O BC bolsonarista de Campos Neto quer dar o golpe de Estado que os aloprados não conseguiram em 8/1. Um golpe financeiro mortal para a economia. É tão ou mais aloprado que a manada que invadiu a Esplanada e depredou os símbolos da República. E tudo feito na mais santa paz, sob a capa da competência, canetando documentos em escritórios refrigerados.

Há dois caminhos agora para o novo governo. Fazer o Congresso dar um impeachment no Campos Neto por descumprir as metas de inflação por dois anos seguidos, em 2021 e 2022, ou cortar despesas. Já explico.

Quando a inflação é de oferta, os governos civilizados utilizam seus estoques reguladores para abastecer o mercado e manter os preços estáveis. Ora, o governo do napoleão desmantelou os estoques! É um crime! Não temos mais essa saída, que é vital em qualquer economia civilizada e inteligente. E não se disse uma palavra contra isso durante o governo dele. Por outro lado, não é por não termos mais estoques reguladores que o BC tem que aumentar os juros ou mantê-los na estratosfera. São erros encavalados.

A pergunta, agora, é o que fazer diante da terra arrasada. Recompor estoques é uma providência absolutamente necessária, mas não se consegue de uma hora para outra. Algumas commodities estão caindo de preço, como combustíveis e outras. Temos que fazer estoques delas. Mas isso não vai ser suficiente num prazo desejável.

Na falta de alternativas, Lula terá de cortar despesas, não vai escapar disso, mesmo que tire o Campos Neto da cadeira. Sabe-se que cortar despesas de governo num país tão desigual e agora arrasado como o nosso é uma briga de foice. Logo mais a ministra do Planejamento terá de entrar em campo, mostrando a que veio. O Planejamento diz ao presidente o que é possível cortar, e o presidente decide onde, quanto, como e quando.

Se eu tivesse 60 milhões de votos, cortaria o orçamento das Forças Armadas, que gastam mais do que a Educação e a Saúde juntas. Curto e grosso. Sem dó nem piedade. Fácil de explicar, para a sociedade e as próprias Forças. Prometendo, se chorarem muito, uns tanquezinhos novos para o Exército, aviõezinhos para a Aeronáutica e barquinhos para a Marinha, quando os tempos de vacas gordas voltarem.

Está mais que na hora de fazerem alguma coisa decente pelo país, depois de ficarem conchavando com o “chefe supremo”, nos últimos anos, extensivos a 8/1, a derrubada do estado democrático de direito.

Nelson Merlin é jornalista aposentado. 

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