Façanhas

Não foi nadando de braçada, mas correndo aos trancos e barrancos que o ministro da Fazenda e o presidente da República — sem esquecer (tenho que ser justo) os presidentes da Câmara e do Senado — conseguiram fazer os principais projetos econômicos do quinto governo petista cruzarem a reta de chegada ao apagar das luzes de 2023.

Não me lembro de nenhum governo conseguir tanta coisa em seu primeiro ano de mandato. Nem a ditadura militar de 64, com o marechal Castelo Branco à frente, e o Congresso Nacional com toda a oposição cassada, realizou coisas sequer parecidas. 

A ditadura criou, no seu primeiro ano, o BNH, de triste memória, para a população de baixa renda, anos depois ampliado para a classe média, com a qual os militares e seus economistas pensavam que podiam salvar o programa, que já ia por água abaixo. O tiro saiu pela culatra. Os juros dispararam no mundo e a classe média entalou-se nas prestações galopantes e impagáveis do Banco Nacional da Habitação. 

Foi a única obra social dos militares em seu primeiro ano de ditadura. Só no seu terceiro ano de governo antidemocrático, eles e seus economistas de terno e gravata criaram o FGTS, uma medida de grande importância social, mas com um jurinho lá embaixo que até hoje persiste, para remunerar o trabalhador após sua demissão ou, se felizardo fosse, após sua aposentadoria. 

Os militares ainda fizeram, em 1966, um face lift na Constituição de 1946 e ficaram por aí. Governavam por decreto e podiam ter feito muito mais que cassar mandatos, prender supostos subversivos, torturar e matar. 

Além disso, fizeram dívidas astronômicas, obras faraônicas (como Angra e Itaipu) desnecessárias e aplicaram um arrocho salarial nunca visto para derrubar a inflação, sem nenhum resultado a não ser mais  inflação. 

Já o terceiro e improvável mandato de Lula na Presidência de uma república democrática realizou, em seu primeiro ano, uma reforma tributária histórica e inimaginável; aprovou um arcabouço fiscal inteligente e incomparável, para substituir o teto de gastos reduzido a cinzas no governo anterior; recriou o programa Minha Casa, Minha Vida, que vai encerrar o primeiro ano com mais de 600 mil famílias atendidas, após ter sido aniquilado pelo governo anterior. 

Poderia mencionar outras tantas façanhas que põem a velha ditadura de 64 e a proto-ditadura do capitão de 2019 abaixo da linha do chinelo em matéria econômica e social. O salário mínimo volta a ser reajustado acima da inflação, o desemprego cai abaixo de 8%, a inflação estabiliza, os juros  começam a cair e os preços também, obras públicas abandonadas pelo país inteiro voltam a ser tocadas adiante, os desmatamentos e queimadas criminosos caem abruptamente, o garimpo ilegal incentivado pelo governo anterior é reprimido como deveria ser desde sempre e etc, etc, etc.

Não é pouca coisa para um ano de mandato. Mas vou parar por aqui. Mesmo que não tivesse feito tanto, o novo governo já teria meu aplauso por restabelecer a esperança na democracia. Sem ela não se vai a lugar nenhum, a não ser que se queira chamar de lugar um canto escuro no fundo de uma cela do DOI-Codi de São Paulo, onde eu ouvi um jovem (como eu) gemer de dor a noite inteira dizendo que aquele dia tinha sido foda e o dia seguinte podia ser pior.  

Nelson Merlin é jornalista aposentado e cheio de esperança que deseja a todos uma feliz Virada para 2024. 

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