As Forças Armadas tiveram sua imagem trincada pelos episódios do último 8 de janeiro e sua cadeia de comando se encontra sob dupla pressão.
De um lado, viu-se sob o ataque de colegas de farda contaminados pelo bolsonarismo. Os comandantes das três forças são cobrados por não terem aderido à tentativa de golpe da extrema-direita mas mantido uma postura legalista. O lado visível dessas pressões apareceu em redes de WhatsApp de oficiais da reserva, bem como pela presença de familiares de militares nos acampamentos em frente aos quartéis. Os fatos demonstraram que a contaminação foi bem maior do que se imaginava.
Isto explica, em parte, a postura extremamente cautelosa da cadeia de comando em colocar fim aos acampamentos em frente aos quarteis. A atitude do comandante do Exército, general Júlio César Arruda, de impedir a ação repressiva, na noite de 8 de janeiro, ao acampamento em frente ao QG de Brasília, pode ter sido ditada por esses fatores.
Até aquele domingo, a estratégica concertada entre os três comandantes e o ministro da Defesa José Múcio, de esvaziar os acampamentos de forma lenta, gradual e segura, vinha produzindo resultados. Na véspera dos atentados havia apenas cerca de 200 pessoas acampadas em frente ao QG do Distrito Federal. A “insurreição geral” dos bolsonaristas do dia 8 jogou por terra essa estratégia.
Isso se deu acompanhado de um apagão dos serviços de inteligência, inclusive o das Forças Armadas. Mais do que conivência, houve subestimação do perigo. Talvez até por simpatia aos acampados, não se fez uma leitura precisa da escalada da radicalização, que já era evidente desde a diplomação de Lula.
Mas inferir que todos estavam envolvidos com a trama é ignorar um fato inconteste: a minuta Anderson Torres não era de brincadeirinha, certamente só não foi materializada porque seus autores não obtiveram o apoio que esperavam das Forças Armadas, como observou o arguto jornalista Marcelo Godoy.
Advém daí o outro lado da pressão sobre a cadeia de comando. O braço esquerdo do PT, ou sua linha dura, que vinha investindo em uma estratégia de confronto, passou a pregar um acerto de contas final com o bolsonarismo para livrar as Forças Armadas de sua influência. Primeiro, pediu a cabeça do ministro da Defesa, pejorativamente caracterizado como “fraco e pusilânime”. E, em seguida, a do comandante do Exército.
Ora, se as relações entre o Partido dos Trabalhadores e as Forças Armadas nunca foram das melhores, o clima azedou mais ainda. Principalmente porque Lula publicamente manifestou sua desconfiança em relação às Forças Armadas, escalando a crise. Mas teve o bom senso de manter seu ministro da Defesa no cargo e de não entregar a cabeça do general Júlio Cesar Arruda.
O fato hoje é que as Forças Armadas estão diante do desafio de restabelecer a hierarquia e a disciplina. Era pedra cantada que a politização da tropa pela ação do bolsonarismo teria efeito deletério. A descontaminação, portanto, passa a ser estratégica para que os militares voltem a se dedicar, exclusivamente, às suas funções constitucionais. E isso só logrará êxito se acontecer de forma alinhada com a cadeia de comando. Com os militares e não contra os militares, para usar feliz expressão do então presidente José Sarney quando da nossa transição democrática.
Qualquer estratégia baseada na escalada da crise poderá ter como consequência jogar nos braços do bolsonarismo a maioria dos oficiais e da tropa que se manteve no limite da legalidade. Esse é o risco de se colocar os militares na situação indesejável de estar entre fogos cruzados.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/1/2023.