Ervas daninhas

É fundamental investigar a autoria intelectual, a organização, o financiamento, os apoios e omissões da frustrada tentativa de golpe de Estado dos bolsonaristas radicais no último domingo. Mas não basta. Para além dos inquéritos, julgamentos e punições, será preciso extirpar ervas daninhas sem prejudicar as plantas sadias; tocar para frente e, ao mesmo tempo, impedir novas urdiduras. Sem anistia.

Um bom começo é escrutinar a relação do país com suas forças militares, incluindo as sub-espécies peçonhentas, hiper adubadas durante o governo do ex Jair Bolsonaro.

Ao contrário da maioria das democracias maduras, onde as Forças Armadas são temidas pelos países inimigos, por aqui – e isso vale para o Brasil e para os demais países da América Latina que vivenciaram ditaduras militares – é o medo dos nacionais que as fazem poderosas.

Nessas plagas é usual governos legitimamente eleitos negociarem estabilidade com generais, um absurdo em qualquer democracia que se preze. Presidentes autocráticos como Hugo Chávez/Nicolás Maduro, da Venezuela, ou Bolsonaro, regam os fardados com regalias para colher longevidade no poder. E, mesmo diante do insucesso, como é o caso do ex brasileiro, algumas pragas armadas continuam a incomodar.

Nesse sentido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Justiça Flávio Dino foram assertivos. Dino tratou de separar o joio do trigo no que diz respeito às Forças Armadas e de lançar elogios aos policiais que impediram a consumação do golpe.

Lula não recuou nem um milímetro, mesmo diante das evidências da omissão ou eventual participação de militares na invasão do Palácio do Planalto. Revelou suas apreensões e desconfianças, enquanto bancava, sem pestanejar, a manutenção de seu ministro da Defesa, José Múcio, demonizado pelas hostes mais à esquerda do PT que, infantis como sempre, chegaram a pedir a sua cabeça.

O disse-me-disse dá conta de que os comandantes das três Forças teriam restrições severas a Lula. Conta-se que temem caça às bruxas, algo que eles sabem que Lula não fará, até por pragmatismo. Que rechaçam, por exemplo, a suspensão do sigilo de 100 anos imposto ao julgamento de comadre que o Tribunal Militar fez das impropriedades palanqueiras do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em flagrante desobediência militar e constitucional. Que não querem mudanças nos currículos das escolas militares e, parece história da carochinha, têm pavor do comunismo.

Ora, tudo isso remete a birra de criança ou papo para tribo bolsonarista crer. Em suma, sem qualquer seriedade. Ou é possível imaginar que esses seriam motivos para colocar tanques nas ruas – mesmo aqueles fumacentos? Portanto, há de se tentar entender onde estaria ancorada a verdadeira resistência a Lula, se é que ela realmente existe.

Talvez o interesse seja apenas o de manter regalias e espaços conquistados. E de impedir a necessária desmilitarização dos organismos civis de poder.

Ao que tudo indica, Lula, sempre safo, continuará a fazer suas reclamações pontuais, eventualmente arrancando uma ou outra erva nociva. Ungido como administrador do terreno, não vai pulverizar inseticidas que possam matar toda a colheita. Por sua vez, os comandos militares não têm interesse em terras empobrecidas, ainda que um pequeno punhado deles espalhe veneno sobre elas.

O Brasil, um país sem guerras, tem mais de 360 mil militares ativos no Exército, Marinha e Aeronáutica, além de 1,3 milhão na reserva. A tóxica dosagem golpista aspergida por Bolsonaro alcançou, se muito, parcela mínima das áreas de comando. Talvez dê para resolver com uma borrifada de razão. Ou não. Ainda assim, dificilmente eles conseguirão infertilizar o país.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/1/2023. 

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