Corpo fora

É hora de tirar o corpo fora. Lotes de bolsonarista agora se dizem inocentes, democratas desde criancinha e ofendidos com as barbaridades cometidas contra os Três Poderes da República. Notórios trogloditas pedem desculpas por notícias falsas que disseminaram nas redes sociais.

Outros juram de pés juntos que foram agentes do comunismo local e da Internacional Socialista que quebraram tudo que viam pela frente na bucólica tarde em que os patriotas resolveram fazer turismo na Esplanada dos Ministérios, apenas para quebrar a monotonia do acampamento democrático em frente ao QG do Exército em Brasília. Afinal, ninguém é de ferro e gente do bem, mas nem tanto, também precisa dar uma relaxada no dia do descanso do Senhor.

Impressionante a conversão em tempo recorde. Nem os jesuítas com seus catecismos, cruzes, orações e a proteção dos soldados da Colônia tiveram tanto sucesso na conversão à força de índios e negros por essas bandas. Demoraram séculos e assim mesmo não conseguiram eliminar as crenças ancestrais de suas vítimas. Babam de inveja dos convertidos atuais.

O que aconteceu para tão súbita transformação não tem a complexidade das teses sociológicas. É simples como borrar-se nas calças. Acrescido de uma dor terrível nos bolsos da frente e de trás das mesmas, pois os mentores tanto quanto os executores terão de indenizar o erário dos prejuízos materiais da barbárie, algo que monta no momento a R$ 6,5 milhões somente na Câmara e no Senado, numa conta ainda por baixo. A coisa toda vai passar fácil dos R$ 20 milhões, nos três palácios.

Quando espetarem a conta no peito dos patriotas, a chiadeira vai voltar. Não sei se farão mais acampamentos na frente dos quartéis para chorarem as misérias, ou se farão bloqueios nas estradas, na frente das refinarias, como queriam quando tudo eram flores. Agora que fedeu, creio que chegou a hora dos adevogados faturarem, entrando em cena para dar nó em pingos d’água. São aqueles que, em vez da Advocacia, exercem a adevocacia, um mix mal cheiroso da primeira com a arte de penetrar como tatus nas brechas das leis para delas tirar proveitos incalculáveis. Essa parte da farsa, aliás, já começou.

O bolsonarismo vai sobreviver ao seu criador. Grande parte do rebanho já era bolsonarista muito tempo antes dele. O nazifascismo brasileiro é coisa antiga, remonta aos integralistas da intentona de 1937, que fracassou como a dos stalinistas de 1935 – mas esses mudaram, aqueles não. Os comunistas de 35 desapareceram ideologicamente quando Nikita Kruschev denunciou os crimes de Stalin à URSS e ao mundo, no XX Congresso do PCUS em 1956. Aqui ninguém fez isso com os camisas verdes de Plínio Salgado. O fascismo permaneceu, disputando eleições, conspirando a céu aberto. Em 1964 tomaram o poder num golpe de estado militar retrógrado e elitista que teve o apoio escancarado dos EUA.

Mas 83% dos eleitores bolsonaristas condenaram a barbárie. Esse é um número importante, revelado em pesquisa do Datafolha. Mais de 90% dos evangélicos condenaram a depredação, achando que o choro é livre mas não se deve partir para a briga por causa disso.  O castelo de areia sobre o qual se apóiam as mensagens de ódio do bolsonarismo está fazendo água. Não vai cair de todo, mas será reduzido a sua insignificância.

Fizeram tanta arminha com os dedos nos últimos quatro anos que acabaram atirando contra a própria cabeça oito dias depois de acabado o jogo. Os atentados de 8/1 detonaram a a aliança bolsonarista com o PL, alçado por eles à posição de maior partido do Congresso Nacional. Muitos já ensaiam ir para a base de apoio do governo Lula, quem diria, para entregar os anéis e salvar os dedos. Quem viver, verá.

O Brasil não é mesmo para principiantes.

Nelson Merlin é jornalista aposentado.

19/1/2023

 

 

 

 

 

 

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