Ainda é cedo para cravar que foi trágica. Mas não é cedo para dizer que foi um erro imperdoável, de tão inaceitável e inacreditável. A nomeação do advogado pessoal do presidente da República para a Suprema Corte já seria grave mesmo que fosse um progressista. O viés de compadrio é a última coisa que pode acontecer antes de se jogar uma instituição na Iata do lixo.
O presidente Luiz Inácio parece não ter pensado duas vezes no que fez. Botou no STF um advogado sem nenhuma expressão no meio jurídico, mas somente por ter sido seu defensor — jogando às favas a exigência republicana do notório saber. O advogado nunca produziu obra que o credenciasse minimamente a um tribunal de recursos, que dirá ao Supremo Tribunal. E para piorar, agora se vê que o defensor é um lobo reacionário em pele de um cordeiro supostamente boa praça.
Agiu o atual presidente, do mesmo modo que seu abominável antecessor, ao nomear dois supostos compadres para lá, onde se encontram totalmente isolados de seus pares. Os dois ganharam a companhia de um terceiro. Estão no lucro.
Quem perde é a sociedade brasileira, que já não tem na Justiça o pilar da celeridade — primordial, ao lado de bom senso e saber. Justiça que tarda não é justiça, mas instrumento de tortura. Para quem sofre o crime e, no devido caso, até para quem o comete.
Processos no STF se arrastam por anos ou décadas. Eu tive um, trabalhista, que ficou parado anos a fio à espera do julgamento de um paradigma que me deixou na miséria. E o tal julgamento apenas confirmou o que o Direito já sabia e há séculos a Justiça aplicava: que juros de mora em ação trabalhista são isentos de imposto de renda, porque indenizatórios da mora infligida ao cidadão. Era assim desde a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891. E talvez já fosse assim desde a primeira, a do Império, em 1824.
Era coisa para se resolver em um dia ou dois e levou seis a sete anos. Pior para mim e tantos outros.
Mas a morosidade não é nosso único problema, como se sabe. A Justiça brasileira tem até hoje o viés elitista que herdou dos tempos coloniais. Por coincidência, o novo integrante da Corte votou em sua estréia pela punição de um cidadão por furto de um macaco mecânico, uma garrafa de óleo diesel e mais alguma coisa — tudo junto não dava R$ 100,00. Sua justificativa foi a jurisprudência da Corte, segundo a qual o autor do furto, mesmo quando insignificante, tem que ser condenado quando é reincidente.
Felizmente, o novíssimo ministro foi voto vencido. Não sei como se sentiu. Não fez o favor de dizer. Mas a justificativa de seu voto indica que se sente bem escorando-se na tradição. A presidente da Corte foi mais arejada. Não há mal nenhum em desembarcar da tradição diante do ridículo da situação.
Se sua excelência não fizer uma auto-faxina mental, vamos ter que aturar coisas assim ou piores, da parte dele, pelos próximos 27 anos. Rogo que o faça.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e estupefato.
31/8/2023